Podemos e devemos usar a tecnologia a favor da proclamação e a serviço do Evangelho da Graça de Deus
Por Israel Belo e Rafael Lima
Deus se comunica. Ao se comunicar, usa meios para que possamos entender a sua revelação. Esses meios estão acondicionados no tempo, na sociedade e principalmente nos recursos tecnológicos. Ao estudarmos a história da Bíblia e como os textos sagrados chegaram até nós, podemos perceber como as tecnologias usadas para proclamar a revelação de Deus ao seu povo mudaram com o passar do tempo: tabuletas de argila, óstracos, papiros, pergaminhos, imprensa, computadores e celulares.
Os meios nada mais são do que ferramentas que utilizamos para facilitar nossa comunicação. Hoje, não saímos na rua com um pergaminho na mão para ler a Bíblia, mas usamos o livro. Esse livro pode estar em formato físico ou digital. O importante é que a mensagem seja entregue e compreendida, pois o que é sagrado não é o meio, e sim a mensagem. Não é a forma, mas o conteúdo que importa.
Quando usamos os celulares para a leitura da Bíblia, muitas pessoas reclamam que a Bíblia deveria ser lida no formato impresso. Ora, seria um pouco estranho ver cada pessoa da congregação lendo em tábuas de pedra todas as vezes que o pastor prega sobre os Dez Mandamentos, sem falar que em nossa vida cada vez mais dinâmica é muito mais preferível carregar um celular ou tablet do que uma tábua de pedra por aí, ou abrir um rolo de papiro em um metrô lotado.
Por isso, podemos e devemos usar a tecnologia a favor da proclamação e a serviço do Evangelho da Graça de Deus. Quando olhamos para a nossa história, percebemos a importância da tecnologia na Reforma Protestante no século XVI. A criação de uma nova tecnologia de impressão possibilitou a publicação de milhares de cópias da Bíblia em linguagem simples e acessível, causando um impacto tão grande que mudaria o mundo e a forma de pensar.
Hoje, podemos ter toda a Bíblia na palma da nossa mão, pesquisar palavra por palavra e ir direto às fontes nas línguas originais em segundos. A tecnologia não é boa ou má, mas sim o uso que fazemos dela. A invenção do avião pelo brasileiro Santos Dumont é um exemplo bem prático disso. Pacifista, Dumont viu sua maior invenção ser usada como arma na Primeira Guerra Mundial. Contudo, atualmente, você consegue imaginar um mundo sem aviões? Eles mudaram nossa forma de nos conectar com o mundo, e o que demorava dias demora hoje apenas algumas horas.
É muito importante pensar nas tecnologias como ferramentas que podem ser usadas tanto para o bem quanto para o mal. Por trás de toda ferramenta, sempre haverá o ser humano, suas aspirações, sonhos e desejos. Por isso, quando trazemos as tecnologias para o ambiente eclesiástico, o uso que daremos a ela pode facilitar a transmissão da mensagem, assim como causar grandes distorções.
A epidemia de COVID-19 forçou as igrejas a se conectarem ao mundo virtual, para se manterem ativas. Muitas pessoas foram alcançadas pela quebra da barreira territorial. Muitas pessoas passaram a frequentar igrejas no Brasil, mesmo estando em outros países, onde a barreira da língua e cultura impedia uma maior comunhão com a igreja local.
Com o aumento das transmissões, também aumentaram as falhas de comunicação. Mensagens que eram para ser tratadas dentro da comunidade de forma mais particular foram expostas abertamente para todos, gerando ruído e incompreensão para aqueles que não viviam no dia a dia da comunidade.
Por exemplo, um testemunho de um missionário que está atuando em um país perseguido não deve ser exposto em um culto no YouTube, mas poderia ser compartilhado em uma transmissão particular em um aplicativo de videoconferência. Onde o líder de missões deixaria bem claro que nenhuma foto ou filmagem poderia ser feita, assim como um testemunho envolvendo terceiros, sob o risco de haver processos ou brigas familiares. Muitas vezes, isso parece um pouco óbvio, mas não é. Esquecemos que estamos online, basicamente o tempo todo, e precisamos nos perguntar como igreja: o que precisamos expor e para quem? Essa resposta pode evitar muitos problemas.
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Com o medo da exposição, muitas igrejas têm ido radicalmente para o lado oposto, evitando o uso de tecnologias de transmissão dos cultos. Essas igrejas perdem a oportunidade de expandir seus horizontes e se conectarem a mais pessoas. Segundo a pesquisa da eMarketer em Março de 2022, o Brasil é o segundo país que mais gasta tempo usando mídias digitais na internet. São 3h46m em média, ficamos atrás apenas das Filipinas, que têm média de 4h08m. Segundo a mesma pesquisa, 144 milhões de brasileiros estão nas redes sociais.
Podemos olhar para esses números e simplesmente falar que as redes sociais são uma grande perda de tempo, mas também podemos olhar para eles e perceber que há um campo missionário com um potencial enorme a ser desbravado. 144 milhões de brasileiros estão a um clique de distância.
Antes de um missionário ir para outro país, ele estuda aquela cultura, seu idioma, sua geografia. Ele pode levar anos para se adaptar àquela realidade. Ao entrar no mundo virtual, também deveríamos fazer isso e mergulhar no funcionamento das redes sociais, na produção audiovisual, na linguagem das redes. Tudo para comunicar o Evangelho de maneira eficiente e efetiva. As redes sociais não servem apenas para fazer propaganda das nossas atividades eclesiásticas, mas são um local de criação de conteúdo evangelístico e de crescimento mútuo da nossa fé.
Além disso, as novas tecnologias nos possibilitam como igreja, por exemplo, automatizar funções através da Inteligência Artificial, em que perderíamos muito tempo, como criar chamadas para os cultos para serem divulgadas em grupos de transmissão no WhatsApp. Também podemos pedir para que a IA revise ortograficamente e gramaticalmente nossos textos e publicações, fazendo com que ruídos na comunicação sejam menores, além de nos ajudar com a construção de planilhas e fórmulas para o nosso dia a dia da gestão eclesiástica. Os novos sistemas de som estão cada vez melhores, trazendo mais clareza e eficiência na projeção das músicas e bandas.
Por falar em música após os cultos, já é possível editar as músicas e instrumentos de forma separada, faixa por faixa. Aquilo que somente era possível ser feito em estúdios de gravação pode ser realizado em pouco tempo e ficar disponível com um nível profissional em todas as plataformas de streaming musical, simplesmente com um computador.
Durante os cultos, podemos ser assessorados por letras projetadas com um banco online, facilmente acessíveis. Além disso, inúmeras versões da Bíblia estão disponíveis através de um programa gratuito feito por cristãos brasileiros, inicialmente para servir a igreja brasileira, mas que já ganhou o mundo. O Holyrics nos mostra que há espaço para programadores e profissionais da área de tecnologia da informação servirem à igreja, para que ela possa adorar de forma mais prazerosa. Além disso, conseguimos dominar os sistemas de iluminação para trazer o foco para onde queremos, comunicando não somente com as palavras, mas também com as sensações.
As câmeras evoluíram muito nos últimos anos. O Full HD já é passado. As novas câmeras de cinema filmam atualmente em 12k, o que significa uma imagem 12 vezes maior. Novas marcas e tecnologias de transmissão surgiram, barateando os custos e possibilitando que muitas igrejas possam produzir e distribuir materiais de alto nível profissional, incluindo videoclipes, podcasts, webséries e muitos outros conteúdos.
O avanço da velocidade de conexão e estabilidade da internet no Brasil, além do barateamento de câmeras PTZs (Pan, Tilt e Zoom, que funcionam controladas remotamente), ainda possibilita que toda a parte de transmissão dos cultos seja feita de forma remota. Isso expande a possibilidade de voluntariado para outros estados do Brasil e países do mundo.
As novas tecnologias trazem consigo novas oportunidades de serviço, trazendo a necessidade de profissionais e/ou voluntários que se dediquem para integrá-las à comunidade. Isso com o intuito de serem ferramentas facilitadoras da adoração pública, promotoras do Evangelho da Graça de Deus e de integração e crescimento entre os irmãos.
Tudo isso é excelente, mas nunca podemos perder de vista que precisamos ter a humildade para reconhecer que é somente através do Espírito Santo de Deus que somos convencidos do pecado, da justiça e do juízo. Quem faz não é a tecnologia, quem faz não são os usuários da tecnologia, mas quem faz é o Deus que se comunica e se revela ao seu povo. Seja em uma igreja super conectada, com luzes e som de ponta, seja em uma comunidade ribeirinha isolada, sem sinal de internet, sem caixas de som, com luzes precárias e com goteiras no teto. Ele é Deus. Ele é o Deus da comunicação.
Israel Belo de Azevedo é autor de mais de 60 livros cristãos, jornalista, pastor e conferencista nacionalmente conhecido.