Debate sobre o conselho “seja você mesmo” ganha novos contornos entre cristãos que defendem o ensino de princípios bíblicos na infância
Por Patrícia Esteves
Quem nunca ouviu a orientação: “Seja você mesmo”? A ideia parece positiva e libertadora, mas será que esse conselho realmente ajuda as crianças a crescerem com valores sólidos? Para alguns estudiosos e líderes cristãos, a resposta não é tão simples e exige uma reflexão mais profunda sobre identidade, propósito e fé.
A professora de filosofia da Universidade de Chicago, Agnes Callard, escreveu recentemente um artigo no Wall Street Journal no qual relatou ter dito ao filho para “ser ele mesmo”. Para ela, essa orientação faz sentido. No entanto, o Dr. Richard Land, ex-presidente do Seminário Evangélico do Sul, discorda. Segundo ele, embora cada criança tenha uma identidade única, é preciso ensiná-las a buscar algo além de suas inclinações naturais. “A Bíblia me diz que os seres humanos, até mesmo nossos preciosos pequeninos, nascem com uma falha fatal chamada natureza pecaminosa”, afirma.
O argumento de Land se baseia no conceito bíblico de que as crianças precisam ser orientadas desde cedo para não agirem apenas por seus desejos momentâneos. O livro de Deuteronômio reforça esse papel dos pais: “E as ensinarás aos teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e deitando-te, e levantando-te” (Dt 6:7). O termo “ensinar”, segundo ele, significa literalmente “afiar”, como uma lâmina que é moldada por repetidas correções.

“Uma criança que cresce em um ambiente onde a fé é vivida de maneira genuína e amorosa tem mais chances de internalizar valores cristãos e aplicá-los ao longo da vida. Isso ocorre quando ela sabe que é amada incondicionalmente por Deus e por sua família, aprende que sua identidade não está no que possui ou faz, mas em quem é diante de Deus, e entende que seus atos refletem os valores que carrega em seu coração”, reflete a pedagoga Mirian Araújo, que congrega na igreja Diante da Arca, em Juiz de Fora (MG).
Identidade e propósito
Dentro dessa perspectiva, pais cristãos são incentivados a direcionar os filhos para o caminho que Deus preparou para eles, em vez de simplesmente incentivá-los a seguir seus próprios desejos. “Podemos ensinar nossos filhos, com confiança, que Deus os ama incondicionalmente e que Ele os criou como pessoas únicas”, explica Land, citando passagens como Efésios 2:10, onde Paulo afirma que Deus predestinou um caminho para cada pessoa.
A relação entre identidade e propósito também se reflete na experiência pessoal do Dr. Land. Ele conta que, quando jovem, sonhava em ser jogador de beisebol, mas acabou seguindo outro caminho. “Minha mãe respondeu: ‘Bem, jogar beisebol seria ótimo, mas acredito que Deus planejou que você fizesse algo mais importante como a coisa mais importante da sua vida’”. Anos depois, ele sentiu um chamado para o ministério cristão, algo que nunca havia considerado antes. Segundo ele, a confiança de sua mãe no propósito divino para sua vida foi essencial nessa jornada, contou ao The Christian Post.
“Para que a criança desenvolva valores saudáveis, é importante que haja um esforço consciente para orientá-la”, diz Mirian. “Quando pais e educadores assumem essa missão com intencionalidade, a criança cresce com uma base sólida para enfrentar os desafios da vida, guiada por valores e princípios que a conduzem a uma vida íntegra e significativa”, conclui.
A questão central, portanto, não é negar a individualidade das crianças, mas ensiná-las a buscar quem Deus as criou para ser. Em vez de simplesmente dizer “seja você mesmo”, Land propõe um direcionamento mais profundo: “Aceite Jesus como seu Salvador e diga ‘sim’ à pessoa que Ele projetou exclusivamente que você fosse!”.

