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quinta-feira, 18 abril 2024

A Teologia Poética de Mathilde de Magdeburg

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Lidice Meyer. Foto: Divulgação

Mathilde se refugiou na oração para aquietar o coração e ouvir a voz de Deus

Por Lidice Meyer Pinto Ribeiro

A poesia é uma das formas mais puras de expressão dos sentimentos. Pela poesia a linguagem metafórica traz à luz e à vida sentimentos muitas vezes inexprimíveis. A poesia já foi vista como a linguagem dos anjos e do amor (I Co 13.1) Poesia e teologia andam juntas. James Sire disse que “a beleza do poema em si indica a existência do transcendente” e que “Deus se revela por meio da arte e do conteúdo da poesia”. Deve ser por isso que ao ler o texto “Das fließende Licht der Gottheit” (A Luz que flui da Divindade) escrito pela teóloga alemã Mathilde de Magdeburg (1207-1283) é impossível não sentir-se invadido pelo calor da luz divina.

No século XII, quando a única forma de uma mulher se dedicar a Igreja era entrar para os conventos, surgiu nos países baixos um grupo de mulheres casadas e solteiras que se reuniam para estudar a Bíblia e para praticar a caridade. Ficaram conhecidas como beguinas e as casas onde se reuniam e abrigavam pobres ou doentes, como beguinários. Mathilde de Magdeburg foi uma beguina que aos trinta anos começou escrever um tratado teológico em forma de prosa e verso, diálogo e cartas. Usou o alemão em vez do latim, mais usado na época. Seu livro foi o primeiro tratado espiritual da vida cristã escrito em alemão. Como o texto demorou trinta anos para ser finalizado, partes dele começaram a circular pela Alemanha mesmo antes de estar completo e Mathilde chegou a escrever sobre as duras críticas que recebeu por ser uma mulher escrevendo em baixo alemão, considerado uma língua inferior, sobre assuntos espirituais: “Fui advertida contra escrever este livro. As pessoas disseram: Se alguém não tomar cuidado, pode ser queimada. Então fiz o que fazia quando criança. Quando estava triste, sempre precisava orar.”

Nesta ocasião, como em outras, Mathilde se refugiou na oração para aquietar o coração e ouvir a voz de Deus. Parte de seu poema “O deserto tem muitos ensinamentos” diz: “No deserto, volte-se para o vazio, fugindo de si mesmo. Esteja sozinho, não peça ajuda a ninguém, e seu ser vai se aquietar, livre da escravidão das coisas”. Mathilde sabia, como ela mesma escreveu, que “todo nosso conhecimento, sem o fogo do amor, é arrogância e hipocrisia”. Ela escreveu: “Sem esforço o amor flui de Deus para o homem como um pássaro que plana no ar sem mover as asas. Assim nos movemos neste mundo, unos em corpo e alma, embora externamente separados na forma. Quando a fonte toca a nota, a humanidade canta – O Espírito Santo é nosso harpista e todas as cordas que são tocadas com amor devem soar”.

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Tratou também sobre a relação de amor entre Deus e a humanidade, enfatizando claramente a relação de comunhão entre criador e criatura. Anos mais tarde Abraham Kuyper citando João Calvino afirmaria que por meio do sensus divinitatis, Deus “entra em imediata comunhão com a criatura… Em cada momento de nossa existência, toda a nossa vida espiritual repousa no próprio Deus.” Mathilde muito tempo antes já abordara esta comunhão profunda em amor testemunhando pelos seus escritos esta verdade da fé cristã: “E Deus disse à alma: Eu te desejei antes do início do mundo. Eu te desejo agora como você me deseja. E onde os desejos de dois se encontram, lá o amor é perfeito” e a alma respondeu: Senhor, Tu és meu amado, minha saudade, meu riacho fluindo, meu sol, e eu sou Seu reflexo.”

A natureza humana ansiando pela restauração da harmonia da comunhão em amor com o criador é expressa em toda a  sua beleza neste poema:  “O peixe não pode se afogar na água, o pássaro não pode cair do ar, o ouro não pode ser destruído no fogo, pois dele recebe sua clareza e brilho. Deus concedeu a todas as criaturas o estar de acordo com sua natureza. Como eu poderia resistir à minha? Tive que deixar tudo para me aproximar de Deus, que é meu pai por natureza, meu irmão pela humanidade, meu esposo pelo amor, e eu sou Dele desde a criação.”

O livro de Mathilde pode ser pouco conhecido nos países lusófonos, mas foi uma das inspirações de Dante Alighieri, que a homenageou no personagem Matilda. Uma mulher que viveu intensamente sua vida cristã, seja pelas boas obras, seja pela busca da comunhão perfeita com Cristo.

Lidice Meyer Pinto Ribeiro é Doutora em Antropologia, Professora na Universidade Lusófona em Lisboa, Portugal

 

 

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