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sexta-feira, 29 março 2024

A Igreja virou divã?

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Por Syria Luppi

A época atual tem sido caracterizada por uma influência de terapias na Igreja, seja de pequenos grupos ou expressadas nos sermões pastorais. Os conflitos humanos se multiplicam e a liderança precisa buscar formas de entender como agir com crentes tomados por disfunções.

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O ser humano, seja ele cristão ou não, está à procura de um escape para os seus dilemas. Nunca se viu tantas pessoas com depressão, síndrome do pânico e obesas por causa da ansiedade, doentes da alma. No meio desse turbilhão de problemas, agravados pelo estresse diário, escolhas erradas, vícios e problemas familiares está ela: a Igreja.

E da Igreja espera-se tudo. É comum quando uma pessoa ouve lamúrias de outra, responder: “ah, você precisa ir numa igreja!”. É consenso: ela existe para resolver tudo! Lá, filhos rebeldes têm que entrar na linha, os solitários encontram companhia, os que sofrem com problemas familiares ouvem palavras de conforto e diretrizes de como agir.

Se nela o aflito, de maneira geral, recebe o que espera, fica, e ainda faz boa propaganda. Caso contrário, é hora de buscar outra alternativa – e opções não faltam! Pelas cidades há um verdadeiro self-service espiritual. Igrejas tradicionais, modernas, renovadas, alternativas… Boa parte delas fica lotada graças a uma estratégica: o investimento numa teologia com toques de terapia comportamental.

Focam no atendimento a necessidades em situações cruciais de sofrimento pessoal. Receitas básicas de como ser feliz, manter o pensamento positivo, melhorar a auto-estima, alcançar a “vitória” diante de um problema… ou seja, respostas fáceis para problemas pessoais complicados. Com isso, a igreja ganha a dimensão de uma comunidade direcionada para a atividade terapêutica. Caminho fácil de percorrer, pois a igreja tem, sim, muitos recursos para auxiliar pessoas doentes da alma, com disfunções variadas.

A montanha-russa de dilemas pessoais, influências culturais, sociais, econômicas e políticas que envolve o homem moderno afeta diretamente sua integridade psíquica e provoca vazios existenciais que geram quadros depressivos. Alguns estudiosos afirmam que vive-se a era da loucura. O ser humano é hoje alguém que não consegue mais viver sem as máquinas por ele inventadas e não distingue mais os limites entre si e elas; não sabe realmente o que quer; vive sob pressão; sofre de ansiedade, tudo deve ser rápido e por consequência não pode estar parado; está sempre em “lugar nenhum” e “de passagem”.

Submetido a um bombardeio constante de informações através dos meios de comunicação, vem perdendo sua capacidade de auto-reflexão, tornando-se superficial e sem espírito crítico. É utilitarista, ou seja, o que não serve é descartado, seja algo material ou mesmo um ser humano. É alguém que abandonou suas ideologias para mergulhar fundo no hedonismo e consumismo, buscando dar sentido à vida.

Esse cidadão está dentro da igreja! E como ela dá conta dessa complexidade? Os crentes da pós-modernidade questionam o jeito de pensar e de querer ser Igreja hoje. Não mais aceitam instituições rígidas, hierárquicas e centralizadas, que não respondam às suas necessidades pessoais. O crente reivindica ser o centro das atenções no “hospital da alma”.

A expressão do evangelho cristão assume, então, a postura de contemplar o ser humano em sua inteireza, tendo que ser promotora de saúde espiritual, emocional, intelectual, corporal, relacional e ambiental.

Por que ser comunidade terapêutica

Um dos grandes desafios para a igreja no contexto da pós- modernidade é ser comunidade terapêutica. Viver uma fé em comunidade é o perfil da Igreja, que manifesta-se comunidade terapêutica à medida que aconselha acolhendo, promove relações significativas de atenção, afeto e complementaridade, incentiva a busca comunitária por vida, principalmente em momentos cruciais da existência humana.

A questão tem alguns entraves.. A Igreja é cobrada e a liderança tem buscado formas de se adaptar, buscando respostas, estudando influências, repensando o jeito de ser Igreja no contexto da pós-modernidade.
Segundo o evangelista presbiteriano Jairo Laroza, a igreja institucional, desde Roma do século III, passando pela Idade Média, pela Reforma e agora vivendo numa era “pós-cristã”, sempre cumpriu um papel disciplinador e regulador social. “Nesse aspecto, acredito que apenas algumas comunidades cultivaram um ambiente acolhedor e fraterno, mas são minoria, quase exceção. A ‘igreja evangélica brasileira’ – estou generalizando – está longe de ser um ambiente ou um agente de restauração da mente e das emoções”.
Para ele, há um caminho longo a percorrer. O grande público das igrejas atuais é de “clientes do Evangelho”, fregueses de um hipermercado religioso que oferece o que o consumidor está procurando. Isso prejudica a ação da igreja. “Jesus Cristo veio para redimir (ressuscitar) o pecador morto. Isso é ajuda do alto. O fiel é um adorador, um voluntário, um servo. Sua maior alegria não está naquilo que recebe da igreja, mas naquilo que pode dar à sociedade”.
A vocação original da igreja é ser uma comunidade terapêutica, como uma comunidade que sirva ao propósito de apoiar e ser fator de cura para os que a ela se chegam. Mas esse é um ideal, afirma o pastor Usiel Carneiro: “Segundo o ensinamento de Paulo em Efésios 4, Deus une pessoas para que elas, unidas e apoiando-se pelos dons e habilidades, e em Sua Presença, sejam edificadas, até que amadureçam, segundo o modelo de Cristo”.
De acordo com o pastor Erasmo Vieira, é preciso entender a igreja “terapêutica” como lugar de “vidas transformadas e equilibradas”. “A missão de Jesus constituía-se em dar equilíbrio às pessoas em três áreas: física, emocional e espiritual. Quando a igreja sai do modelo de Jesus, deixa de ser igreja. A missão da igreja no mundo sempre deve ser transformar vidas”.

O pastor Davi Nogueira investe na pregação voltada para a cura interior e motivação. “Desenvolvi duas mensagens muito especiais chamadas ‘Cura do Ressentimento’. Tive a oportunidade de pregar essas mensagens em formato de conferência em várias igrejas. O efeito foi maravilhoso. Deus atuou grandiosamente em todas as ocasiões”.

A comunidade cristã necessita de respostas para suas perplexidades e a Palavra dá todo o suporte para isso. “Uso alguns critérios na preparação dos meus sermões: a necessidade espiritual e emocional do meu rebanho; aquilo que Deus ministra ao meu coração e respostas aos problemas atuais da sociedade – que não são poucos. Esse é nosso papel enquanto liderança”, completa Davi Nogueira.

O que o crente quer ouvir?

O ser humano gosta de ouvir mensagens que façam com que ele se sinta melhor e tem nelas um grande suporte para seus dilemas pessoais. Esse tipo de mensagem, explica o pastor Usiel Carneiro, propicia um sentimento de maior conexão com a vida. Mas há dois extremos neste assunto: aqueles que gostam somente de tratar de respostas para a vida prática e aqueles que gostam somente de tratar de questões conceituais. “Temos uma possibilidade saudável de mensagem, que tanto trata da responsabilidade e potencial humano, quanto do poder imprescindível da presença divina. Creio que é desta pregação que precisamos e é esta que devemos esperar dos púlpitos”, falou.

Erasmo Vieira declara que sermões-receita, do tipo “como se tornar um discípulo
aprovado” ou “os cinco propósitos bíblicos para o homem”, podem ser tachados como água-com-açúcar, mas são esses que mais norteiam e levam as pessoas a tomarem decisões em suas vidas. “Há sermões que não oferecem nenhuma direção ou desafios para mudanças. Apenas informam. Os desafios que podemos levar para as pessoas devem ser o foco central de nossas mensagens semanais”.

Para o pastor Eduardo Vieira, as mensagens terapêuticas são uma modernidade que não pode perder o foco de Cristo. “Quem gosta de ouvir uma mensagem que confronta com seu estilo pecaminoso de viver? Jesus e os apóstolos pregavam uma mensagem que trazia ânimo, esperança, mas também que condenava os pecados de Israel, dos gentios e da Igreja. Não se pode desviar a Verdade. O ponto de partida para a cura do ser humano é aceitar Jesus como Salvador e Senhor. A cura emocional normalmente é um processo, em alguns casos exige tempo”, diz.

Pastores terapeutas

A crescente busca de preparação profissional nas áreas de terapia, psicanálise e psicologia por parte de ministros do Evangelho tem levantado à pergunta: terapia profissional e Bíblia se misturam?

A “Psicologia da Religião” emergiu como disciplina acadêmica, principalmente entre os psicólogos americanos da virada do século. Os psicoterapeutas começaram a transitar, com suas teorias e práticas, por terrenos até então restritos à religião. A igreja reagiu a isso assumindo três posições distintas. Uns assimilavam a influência, outros a rejeitavam e havia aqueles que aceitavam discutir a proposta.

Para o pastor Jessé Fernandes Trindade, estudos do comportamento e Bíblia podem caminhar juntos. “A Bíblia é a melhor fonte desse conhecimento. Não há nenhum conflito quando os conhecimentos da Psicologia são usados como ferramenta de auxílio para o bom desempenho da função pastoral. O perigo é quando tais conhecimentos são usados como ferramenta de manipulação de pessoas ou de toda a comunidade religiosa”.

O critério na aplicação de temas comportamentais é uma orientação do pastor Eduardo Vieira. “Tornar-se um terapeuta acrescenta na formação pastoral. Mas não vejo como essencial. Conheço alguns pastores que perderam o rumo do seu ministério e até se desviaram após fazer o curso de Psicanálise. Acredito que não estavam preparados. O problema não é a Psicanálise, mas a falta de estrutura espiritual”.

Ainda na opinião de Eduardo Vieira, a pregação da Palavra, o aconselhamento e a ação do Espírito Santo na vida daqueles que verdadeiramente querem a cura, fazem da igreja um local de restauração.

Para o pastor Erasmo Vieira, o essencial ao ministério pastoral é a Bíblia. Tudo o mais é
complementar. “Um curso nessa direção é interessante pelas implicações das complexidades que o mundo hoje apresenta. Eu diria que nenhum outro curso é necessário, mas torna-se conveniente e complementar conhecer o ser humano do ponto de vista da ciência”.

É fundamental compreender que neste mundo todos passam por aflições (Jo 16:33) e ser parte de uma Igreja não é ficar livre das dificuldades ou de ser afetado por doenças emocionais. Entretanto, o propósito da igreja é glorificar a Deus e glorificar significa estar envolvido e comprometido com os Seus caminhos, em vez de estar preocupado exclusivamente com o seu próprio caminho individual.

A Igreja existe para ser um hospital e cuidar dos doentes. A mensagem bíblica é sempre atual, mas alguns métodos eclesiásticos estão, sim, obsoletos e os membros sentem necessidade de serem mais cuidados. A realidade social mudou tanto que a Igreja passa por uma crise de mensagem, de identidade e de itinerário.

Por isso alguns líderes têm investido na pregação bíblica em um contexto social diferente. Com trabalhos que resgatam, que curam e dão à pessoa condições de viver de forma saudável enquanto cristão. Essa “nova” igreja investe na pregação da Graça, da misericórdia, da tolerância, do Evangelho para o coração, da reflexão, com menos show, pressa, personalismo. Será, possivelmente, o perfil da Igreja do século XXI.

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