Metade dos leitores da Bíblia declarou que o Livro sagrado é de difícil entendimento. O que eles têm dificuldade é de entender a Bíblia na língua portuguesa
Por Israel Belo de Azevedo
Amamos a Bíblia. E isso é muito bom. Mas entendemos a Bíblia?
Quando leu o Antigo Testamento, o alto funcionário etíope não conseguiu compreendê-lo. Ele entendia grego e tinha um exemplar do livro de Isaías nas mãos. O idioma não era o problema. O problema era primeiramente cultural. Ele era de uma cultura e a Bíblia estava pensada em outra. Felipe teve que fazer a ponte, usando termos de fácil acesso.
O maior problema era espiritual. Ler a Bíblia implicava e implica conversão, para que fosse/seja efetiva. Ao pedir o batismo, o etíope demonstrou que tinha captado o sentido mais profundo das Escrituras.
No caso do Brasil, país em que é alto o índice de leitura da Bíblia, o dilema é o mesmo.
Quem lê precisa entender o que está escrito para que chegue à transformação, que é o objetivo da Palavra de Deus.
Fiz uma pesquisa com centenas de leitores da Bíblia e a metade declarou que o Livro sagrado é de difícil entendimento. O que eles estão dizendo é que têm dificuldade de entender a Bíblia na língua portuguesa. Como sabemos, a Bíblia foi escrita em hebraico e grego, com algumas poucas páginas em aramaico (265 versículos). Todo o Novo Testamento está em grego, grego bem simples. Todo o Antigo foi escrito em hebraico, com exceção de Esdras 4.8–6:18; 7.12-26; Daniel 2.4b–7.28, Jeremias 10.11 e Gênesis 31.47 que estão em aramaico.
Os autores usaram esses idiomas porque eram os idiomas dos seus leitores.


Esses textos foram, felizmente, vertidos para diferentes idiomas, inclusive o nosso. Agradeçamos ao Deus Eterno por podermos ler a Bíblia em nossa linda língua. Por que, então, há dificuldades, para alguns (talvez a maioria) entenderem o que está escrito? O problema não está na Bíblia, mas no idioma, que é dinâmico.
Eu sou capixaba, embora não more mais no lindo Espírito Santo. Residindo no Rio de Janeiro, recebi uma parente muito próxima e verifiquei que, embora capixaba, nós falávamos diferentes, no vocábulo e na entonação. Ou eu falava assim quando morava no Espírito Santo ou o “idioma” capixaba da minha prima mudou.
Eu acho que o capixaba mudou, como o brasileiro mudou. A língua está sempre mudando e cada vez mais. Nossas versões mais conhecidas foram preparadas no século 17 pelas mãos de um gênio juvenil chamado João Ferreira de Almeida. A sua versão se tornou conhecida a partir do século 19. De lá para cada, temos utilizados versões que foram atualizando o idioma de João Ferreira de Almeida. A chamada versão Almeida Revista e Corrigida (ARC) apareceu em 1898. A Almeida Revista e Atualizada (ARA) surgiu em 1956. Essas são as versões preferidas dos brasileiros, ao lado de outras posteriores.
O método dessas traduções é “palavra por palavra” na sequência dos idiomas originais hebraico, aramaico e grego. É por isso que muitas frases soam para nós como invertidas. Começando pelo primeiro versículo, ninguém fala assim: “No principio criou Deus os céus e a terra”. Os hebreus pensavam, escreviam e falavam assim. Nós pensamos, escrevemos e falamos assim: Deus, no principio, criou os céus e a terra.
Para entender o texto palavra-por-palavra, o leitor brasileiro tem uma dificuldade que o leitor hebreu ou grego não tinha. Então, para ser fiel, a tradução pode ser palavra-por-palavra, mas na sequência usada no Brasil, não em Portugal.
Se queremos que os brasileiros entendam, precisamos radicalizar: para ser fiel ao propósito original, a tradução tem que ser ideia-por-ideia, como faz, por exemplo, a Nova Versão Transformadora, entre outras.
Os leitores ainda assim preferem as versões palavra-por-palavra. O resultado é que eles se apropriam de um percentual muito pequeno da Bíblia, quando poderiam se apropriar de sua totalidade. Uma versão palavra-por-palavra é mais difícil de se entender do que uma tradução ideia-por-ideia, que deveríamos preferir.
E porque estou dizendo tudo isso? Porque amo a Bíblia e quero vê-la lida, entendida e vivida.
Israel Belo de Azevedo é pastor da Igreja Batista Itacuruçá, doutor em filosofia, autor da Bíblia Prazer da Palavra, uma versão ideia-por-ideia em curso. Para mais informações, acesse bibliaprazerdapalavra.com.br