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sábado, 20 abril 2024

Odja Barros

No mês que homenageia as mulheres, nada mais natural do que a Comunhão conversar com uma delas. Na entrevista deste mês, você vai conhecer a um pouco da história e as ideias da pastora, professora e teóloga Odja Barros, da Igreja do Pinheiro, em Maceió (AL).

“O nordestino é, antes de tudo, um forte”. O escritor Euclides da Cunha tornou famosa essa frase, que a biografia de Odja confirma e exemplifica bem. Nascida em Aracajú, capital do menor Estado da federação, Sergipe, ela veio ao mundo pelas mãos de uma parteira, em uma família carente de bens materiais e espirituais.

O fantasma da pobreza e a ausência do Evangelho foram seus companheiros de infância. Católicos “oficiais”, como tantos outros brasileiros, os pais de Odja não tinham qualquer religiosidade e a menina cresceu sem nenhuma noção de Deus ou igreja. Aos 15 anos, segundo ela mesma conta, deu-se o primeiro milagre: inexplicavelmente, brotou em Odja uma necessidade vital de conhecer e servir ao Senhor. Primeiro, ela conheceu a Igreja católica. Depois, conheceu Wellington Barros, seu marido e hoje pastor titular da Igreja do Pinheiro, uma das mais ativas da cidade. Mas até chegar a esse ponto, foram muitas lutas e experiências vividas pela fé e pelo amor a Jesus. Confira a seguir.

Comunhão: Pastora, comecemos pela sua biografia: quando e onde a senhora nasceu? Como foi a infância? Quando conheceu Jesus e a Ele se converteu?
Pra. Odja: Eu venho da “Galiléia” brasileira (risos). Sou nordestina, e do menor Estado da federação brasileira, Sergipe. Sou da capital, Aracaju. Tive uma infância de menina. Minha mãe costuma dizer que nasci na época em que os pobres desse país enfrentaram a conhecida “fome de 70” (década de 70). Eu nasci em casa mesmo, pelas mãos de uma parteira. Naquela época maternidade era luxo. Acredito que essa minha origem me fez compreender a leitura do Evangelho de Jesus, que foi especialmente acolhido pelos pobres e oprimidos de então – aqueles que precisavam de pão, de saúde e dignidade numa sociedade excludente. Foram estes os que primeiro entenderam e acolheram a boa nova do Evangelho, segundo Luc. 4.18-19.

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Algo mudou em sua vida, desde então? O quê?
A primeira grande mudança na minha vida começou aos 15 anos, quando despertei para uma busca religiosa de Deus, inexplicável. Não tendo uma família religiosa, católica, mas apenas nominalmente, não ia à missa, nem sabia direito o que era uma igreja. Mas, ao completar 15 anos, eu mesma a procurei, e depois disso não saí mais. Tornei-me catequista, líder de movimento jovem na igreja católica, e cheguei a participar de encontros vocacionais. Até que, aos 17 anos, concluindo o curso de Magistério, conhecei aquele que hoje é meu esposo, que foi quem me falou de Jesus e me conduziu ao Evangelho.

Qual foi sua experiência mais forte com Deus?
Difícil escolher uma. Digo que a vida com Deus é a mais desafiante, um salto no escuro. Mas, creio que uma das mais fortes vivi quando estava no Seminário, em Recife. Eu e meu esposo somos de famílias pobres, e fomos enviados por uma igreja que não tinha recursos para nos sustentar. Fomos supridos pelo Senhor durante os cinco anos de curso milagrosamente, com pão, cuidado emocional, espiritual e material. Isso me marcou profundamente, ajudando-me a crer que em Deus posso enfrentar “poderes”, adversidades, a falta de muitas coisas.

Quando e como sentiu o chamado pastoral? Foi uma decisão fácil? O que fez então?
O chamado vem desde a minha experiência na Igreja católica. Assim, ao me converter, não foi difícil saber que queria me preparar e dedicar exclusivamente ao serviço a Deus. Então, fomos para o seminário, eu e meu esposo, ambos com 18 anos. Inicialmente, fui para estudar Música ou Educação Religiosa, como “boa esposa de pastor”. Saí do seminário ainda com essa mentalidade, fruto da cultura religiosa que vê a mulher como excelente parceira para ministérios auxiliares. Assumi a Igreja como educadora religiosa e foi no exercício ministerial nessa comunidade, aliado às minhas leituras e estudos, que me descobri com dom e chamado que não se limitavam às funções que tinham me ensinado que eram destinadas às mulheres.

Os que são contrários à ordenação de pastoras costumam invocar argumentos bíblicos, assim como aqueles que defendem o pastorado feminino. Qual sua visão acerca desta questão?
A Bíblia pode ser evocada para afirmar a legitimidade da ordenação das mulheres e também para negá-la. Como escreve o biblista Carlos Mesters: “A Bíblia é uma flor sem defesa”. Usamos de acordo com nossos interesses.
Os textos são retratos de um momento da vida do povo de Deus ou dos primeiros cristãos e das primeiras comunidades cristãs. Vão mostrar uma diversidade de idéias e modelos de comunidades. Mas, eu prefiro olhar para o melhor retrato da Bíblia: Jesus e os Evangelhos. Desafio encontrarmos aí qualquer base para negar à mulher qualquer direito.

Como é o seu cotidiano na função pastoral? Como conciliar com seus outros papeis – esposa, mãe, profissional etc.?
Isso traz algumas dificuldades, tanto quanto para outras mulheres, que têm que assumir jornadas duplas ou triplas de trabalho hoje. Tenho ensinado às mulheres da minha igreja que não podemos ser seduzidas pela proposta capitalista, que quer confundir liberdade e igualdade com outro tipo de escravidão. A sociedade capitalista valoriza a pessoa pelo que ela produz, não pelo que ela é. Morrer de trabalhar fora, cuidar da casa e dos filhos e ainda estudar não pode ser visto como um grito de liberdade. Precisamos lutar por estruturas mais justas, dividir melhor as tarefas familiares. Os maridos, os filhos e filhas, devem ser parceiros nessas responsabilidades. Liberdade e libertação é também construir novos modelos de vida e de ministério.

Como é o tratamento dado a uma pastora por parte das lideranças eclesiásticas?
Existem ainda muitas lideranças eclesiásticas que têm dificuldade de tratar com igualdade pastoras e pastores. No entanto, entendo que isto é uma questão que estamos superando. Quanto mais mulheres se apropriam de seu papel dentro das instituições eclesiásticas, mais vamos desconstruindo estes modelos reprodutores de desigualdade.
As dificuldades que encontro são comuns a todas nós, mulheres: se um homem tem que fazer bem alguma coisa para ser reconhecido, nós temos que fazer três vezes melhor.

A Igreja tem influído na política, velada ou abertamente, e mesmo participado dela. Qual sua visão a respeito disso?
Quanto à política partidária, é obvio que existe uma participação cada vez maior da Igreja evangélica. O que acho é que temos péssimas referências neste sentido. Mas, não acredito que isso deva nos levar a uma posição contrária à participação da Igreja na política. Pelo contrário, acho que precisamos preparar melhor a Igreja para esta questão. E acredito que precisamos nos envolver politicamente com as questões da nossa cidade, bairro, através dos conselhos, associações, sindicatos, e não visualizarmos apenas cargos públicos.

Quais são os maiores desafios da Igreja hoje?
O maior desafio da Igreja é de SER IGREJA DE FATO. Somos cada vez menos Igreja, na perspectiva de comunidades de fé, que preservam as características neotestamentárias de vida em comunidade, de acordo com Atos 2:42-47. E o desafio das mulheres acho que já apontei acima.

No dia 8 de março, comemorou-se mais uma vez o Dia Internacional da Mulher. O que as mulheres cristãs têm a comemorar em pleno século 21?
Temos muitas coisas a comemorar neste dia, que foi o centenário das lutas das mulheres por direitos fundamentais como o voto, os direitos trabalhistas e outros. Mas, acho que devemos ter uma celebração consciente e cuidarmos com a manipulação da mídia, que intencionalmente quer comercializar mais essa data. Esse não é um dia romântico. É data de luta e reflexão. Temos ainda muitas mulheres ao redor do mundo sofrendo diferentes tipos de opressão, violência e discriminação. É preciso continuar lutando por direitos e por justiça.

Temos visto a natureza gemer em dores, com terremotos, tsunamis, tornados e catástrofes quase diárias. Como a senhora analisa essa situação?
A natureza vem gemendo há muito tempo, talvez baixinho demais. Pode ser que agora ela esteja gritando, e estamos nos dando conta de que o planeta está doente e a doença está se agravando, tomando todo o corpo. Para mim, isso é fruto da nossa forma de entender mal o mandato divino de dominar a terra lá de Genesis. Isso dá uma boa relação com a questão da mulher, também. Quando exercemos ”poder sobre”, dominando, explorando, seja a terra ou a mulher, crianças etc., o resultado é destrutivo.

Em breve a senhora estará em Vitória. Qual será sua missão aqui?
Estarei em Vitória ministrando um módulo de uma pós-graduação em Leitura e Ensino da Bíblia. Vou trabalhar com hermenêutica de gênero, ou seja, leitura da Bíblia na perspectiva da mulher. Hoje, em Alagoas, temos um grupo de mulheres fazendo essa leitura e já estamos publicando uma revista com esses estudos. Acredito que seja um trabalho libertador e transformador para a Igreja e para sociedade. Afinal, ainda se fundamentam muitas atitudes de preconceito e discriminação contra a mulher em textos bíblicos.

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