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sábado, 20 abril 2024

Violência: justiça com as próprias mãos?

Linchamentos revelam o lado mais primitivo do ser humano. O que surpreende agora é que, em pleno século XXI, esses casos venham se tornando cada vez mais frequentes no Brasil.

Espancada depois de ser confundida com uma sequestradora de crianças, Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, foi a 20ª pessoa assassinada em uma situação de justiçamento público neste ano no Brasil.Moradora do Guarujá (SP), a dona de casa morreu no dia 5 de maio devido a um traumatismo craniano dois dias depois de ser agredida. Desde fevereiro, pelo menos outras 37 pessoas foram vítimas de linchamento no país.

Segundo a família, Fabiane foi alvo das agressões a partir da publicação em uma rede social do suposto retrato falado de uma mulher que sequestrava crianças para utilizá-las em rituais satânicos no Guarujá. Familiares e a polícia afirmaram que a morte da dona de casa foi resultado de um boato. “Não foi registrado nenhum sequestro de criança no Guarujá. Esse foi um boato nas redes sociais que veiculou em várias localidades e chegou aqui”, argumentou o delegado Luiz Ricardo Lara, do 1º Distrito Policial da cidade do litoral paulista.
Casos semelhantes aconteceram ultimamente no Espírito Santo. Dois deles foram registrados em maio de 2013, um em Vargem Alta e outro em Vila Velha, além do ocorrido na Serra em abril deste ano.

Linchamentos não podem ser vistos como uma ação irracional. A conclusão é da pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), Ariadne Natal, autora de tese sobre casos de justiçamentos sumários ocorridos em São Paulo entre 1980 e 2009.“Qualquer pessoa que tenha participado do linchamento da Fabiane vai dizer que tinha certeza de que ela era culpada, que era preciso linchá-la para expiar o mal que atribuíam a ela. Ou seja, estão equivocadas ao acreditarem fazer justiça, mas não estão agindo irracionalmente”, sustentou a pesquisadora, em recente entrevista à Agência Brasil, ao pontuar que pesquisou 385 casos de linchamento noticiados pela imprensa.

Destacando o fato de que a defesa do uso da violência como solução para os conflitos é prática recorrente na sociedade brasileira, Ariadne Natal defende que o caso da dona de casa deve servir de lição. “É o exemplo de que a justiça não pode ser feita sumariamente.
De que cabe apenas às instituições do Estado fazer justiça. E se essas instituições não estiverem fazendo isso a contento, o que a sociedade tem que fazer é aperfeiçoá-las”.

Ela destaca que quase a totalidade dos casos ocorre em regiões periféricas. “Na análise das causas de justiçamentos deve levar em conta dinâmicas macrossociais. O que está relacionado ao acesso que os moradores dessas áreas têm às instituições de Estado. Não só em termo de presença, mas, principalmente, quanto à qualidade dos serviços prestados por essas instituições. A tese da ineficiência do Estado é, portanto, um dos componentes que ajudam a explicar esses crimes”, falou a pesquisadora.

Crise social
A história registra desde a Antiguidade inúmeros relatos de linchamentos promovidos sob os auspícios da lei. Entre os judeus, a lapidação – apedrejamento pela multidão – era uma penalidade aplicada em diversos casos, tais como o adultério feminino.

Dois casos célebres são narrados no Novo Testamento – o da mulher adúltera, evitado por Jesus Cristo, e o de Estêvão (Atos 7). É um traço de maldade que até os dias de hoje corrói a sociedade. Por quê? Apesar de o Brasil ser a sétima economia do mundo, tem um povo sofrido, com 40 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza. O País tem uma das mais injustas e perversas distribuições de renda do planeta ao mesmo tempo em que tem uma das mais altas cargas tributárias do mundo.

Segundo recentes dados da ONU, o Brasil ocupa o indigno 15º lugar na lista dos países mais violentos do mundo. E das 50 cidades mais perigosas do planeta, 16 são brasileiras. Mas será que isso justifica o surgimento de grupos buscando justiça a qualquer custo?

De acordo com Leonardo Bis, sociólogo e doutorando em história social das relações políticas e professor do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), o que estamos vendo diante dos casos de linchamentos no Brasil vai contra tudo o que prega os conceitos básicos da sociedade. “Os linchamentos são abomináveis em qualquer situação. A atitude nega qualquer possibilidade de defesa – física e legal – ao acusado; torna o linchador, no mínimo, tão criminoso quanto a vítima; e mesmo que fosse julgado culpado, no Brasil não existe pena de morte em nenhuma circunstância. Observa-se que justamente aqueles que mais precisam de proteção social são as vítimas da própria sociedade – afinal já viram alguém com grande poder aquisitivo ser linchado até a morte em nosso país?”, destacou.

O pastor Iranildo Ferreira de Araújo, da Igreja Presbiteriana do Brasil, em Vila Velha, não acredita que atitudes como linchamentos sejam motivadas por sede de justiça. “É uma forma de mascarar um problema maior. O homem contemporâneo é tão mal quanto seus antepassados. É egoísta, interessado apenas no seu direito, insensível ao outro e aos direitos dos outros, refém da praga consumista e desse novo capitalismo. Esse homem se esquece que é um ser relacional, não aprendeu a viver com o outro e para o outro, não sabe lidar com suas frustrações e canaliza toda sua tensão nas diferentes formas de violência”.

Na visão do pastor, a sociedade, no geral, está rendida ao pecado, com instintos e pulsões voltadas para a morte. “A sociedade clama por um redentor, mas não consegue perceber que esse redentor está entre nós, de braços abertos para acolher a todos que o buscar”, falou.

Sociedade doente
É cada vez mais urgente que a sociedade busque valores e conduta conforme a Palavra de Deus. O apóstolo Paulo disse “Lembre disto: nos últimos dias haverá tempos difíceis. Pois muitos serão egoístas, avarentos, orgulhosos, vaidosos, xingadores, ingratos, desobedientes aos seus pais e desrespeitosos com a fé. Não terão amor pelos outros e serão duros, caluniadores, incapazes de se controlarem, violentos e inimigos do bem. Serão traidores, atrevidos e cheios de orgulho. Amarão mais os prazeres do que a Deus” (2 Tm 3:1-4)
Em Romanos Deus diz: “Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira, porque está escrito: Minha é a vingança; eu recompensarei, diz o Senhor” (Rm 12.19).

Para o pastor Elton Jesus Bonadiman Gomes, da Igreja Batista Getsêmani, em Itaparica, Vila Velha, o que a sociedade vive hoje é reflexo da falta de amor entre as pessoas. “Foi por causa da confiança total que Jesus tinha no amor e na absoluta justiça de Seu Pai que quando o injuriavam, não injuriava, e quando padecia não ameaçava, mas entregava-se àquele que julga justamente (1Pe 2.23)”.

Ainda segundo o pastor, o homem que pratica a maldade precisa conhecer o amor que vem de Deus. “A vingança não tem lugar no coração daquele que foi transformado por Jesus. A Bíblia diz ‘Irai-vos e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira’(Ef4:26). Isso é autocontrole, sim, mas vem de Deus, do discernimento, da sabedoria que vem de uma mudança de vida”, falou.
O cristão jamais deve se envolver nesse tipo de comportamento popular.

É o que afirma o pastor Iranildo Ferreira de Araújo. “Nosso maior desafio como cristãos é termos fome e sede de justiça, é promover e praticar a justiça. Um cidadão do reino de Deus deve fazer tudo para promovê-la. É dever de cada cristão almejar a justiça mais do que qualquer outra coisa”.

Um novo Brasil
Numa democracia, o que se espera é que as pessoas se mobilizem para melhorar as instituições e não para fazer justiça de forma sumária, sem dar aos suspeitos o direito à defesa. E, com isso, no afã de tentar fazer uma suposta justiça, comete-se grandes injustiças.

“Mesmo que a vítima tenha de fato cometido um crime, isso não justifica um linchamento. Jesus, quando evitou essa atitude contra a mulher adúltera disse: ‘quem não tem pecado, atire a primeira pedra’. Ele fez um chamado à reflexão, mostrando que todos erramos e carecemos de misericórdia”, falou o pastor Elton Gomes.

É certo que o Estado não pode ser omisso com a injustiça. O País está avançando, mas há muitas lacunas a serem fechadas para a conquista da plena paz social. “Infelizmente não há uma liderança carismática nesse País que consiga liderar o povo para a paz. É preciso a união do povo de Deus no proposito único de levar o povo ao amadurecimento. Em II Crônicas 7.14 diz ‘Se o meu povo, que se chama pelo meu nome, se humilhar e orar, buscar a minha face e se afastar dos seus caminhos, dos céus eu ouvirei, perdoarei o seu pecado e sararei a sua terra’. De quem será voz única que nos levará a este grande propósito?”, pergunta o pastor Josedir Medeiros Pedro, membro da Primeira Igreja Batista Praia da Costa, Vila Velha.

Segundo o pastor, o papel da igreja de Cristo nesse contexto é propagar cada vez mais os princípios da Palavra de Deus e orientar a membresia sobre o exercício da cidadania. O Brasil experimenta uma crise de intolerância. Mas o cristão deve ter uma resposta sábia para esta situação.

“O apóstolo Pedro foi vítima das tensões sociais de seu tempo e, no entanto, ele nos ensina em sua carta I Pedro 3.15: ‘santifiquem Cristo como Senhor em seu coração. Estejam sempre preparados para responder a qualquer pessoa que lhes pedir a razão da esperança que há em vocês, contudo façam isto com mansidão e respeito’. A paciência é uma virtude de Cristo que ele espera ver fluir em cada um. A Bíblia diz que temos a mente de Cristo e a nossa visão deve ser a mesma visão dEle sobre o mundo”, completou Josedir.

O pastor Elton Gomes lembra que “somos um país constituído de três poderes e temos que respeitá-los, obedecê-los. A mudança que o brasileiro quer começa pelo voto, elegendo autoridades competentes e comprometidas com o bem comum”.

Uma postura cômoda, omissa por parte da população no exercício de sua cidadania não resolverá os problemas de injustiça social que o Brasil vive. É melhor o cristão decidir pela participação firme e consciente, sem esquecer da promessa de Deus: “Bem-aventurada é a nação cujo Deus é o Senhor” (Sl 144.15 b).

A matéria a seguir é uma republicação da Revista Comunhão. Fatos, comentários e opiniões contidos no texto se referem à época em que a matéria foi escrita.

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