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sexta-feira, 19 abril 2024

Sustentabilidade: Uma questão de ética e espiritualidade

Não jogar lixo nas ruas, cuidar do próprio corpo ou adorar a Deus na igreja são ações previstas no mesmo manual: a Bíblia, que trata o assunto como uma questão ética, social e espiritual

O naufrágio do cruzeiro Costa Concordia, no litoral italiano, causou comoção e foi notícia ao redor do mundo. Ao resolver, por conta própria, alterar sua rota, o capitão do navio colocou em risco 4.200 pessoas que estavam embarcadas. Como se não bastasse, em comunicação à Capitania dos Portos, o responsável pela embarcação omitiu o problema da colisão em uma rocha e “abandonou o barco”, literalmente, antes de os resgates serem finalizados.

Imperícia, negligência, imprudência, hoje, são atitudes ligadas ao seu nome. Para muitos, o capitão Francesco Schettino tornou-se, publicamente, o símbolo de uma Itália que os italianos querem esquecer: a do capitão que abandona o navio. Por causa disso, a terra de grandes navegadores, como Cristóvão Colombo e Américo Vespúcio, ficou ferida no seu orgulho. O comandante Gregorio de Falco, da Capitania dos Portos italiana, ao saber do caso, disse: “Abandonar é mais do que desertar, é trair o Código Marítimo”.

A ética é item altamente exigido desse profissional. O capitão deve ser o último tripulante a abandonar o navio. Acusado de homicídio múltiplo, de provocar um naufrágio e de abandonar a embarcação, Francesco Schettino trouxe à tona uma discussão ampla sobre a ética que permeia todas as esferas da vida.

Observando os termos “alterou”, “omitiu” e “abandonou”, que descrevem as ações de Francesco Schettino que levaram à tragédia, é possível trazer para perto de nós uma responsabilidade que não deixa absolutamente ninguém de fora. Provocar alterações no meio ambiente, omitir-se diante de questões que afetam a Terra e a humanidade e “pular fora do barco” equivale abrir mão da responsabilidade que Deus, o Criador, delegou aos habitantes do planeta.

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Jogar lixo nas ruas é transgredir uma ordem divina de cuidar e guardar o meio ambiente de ações destrutivas. Numa ideia paralela à do comandante da Capitania dos Portos italiana, omitir-se ou abandonar essa responsabilidade é mais do que infringir uma lei social: é trair o Código Divino, registrado na Bíblia, acerca da mordomia, do zelo que o Criador espera de Suas criaturas.

Pastor, escritor de livros e especialista em assuntos de meio ambiente à luz da Bíblia, João Carlos Marins defende que “quando temos uma responsabilidade entregue em nossas mãos, inclusive a de bem cuidar da criação divina, e fugimos dela, nós também ‘pulamos para fora do barco’ e deixamos de cumprir com o nosso compromisso social, e isso é também uma questão de ética”, diz ele, que é pastor-membro na Igreja Batista Filadélfia, em Vitória.

Sustentabilidade: Uma questão de ética e espiritualidadeNesse aspecto da ética, Marins considera que num país como o Brasil, com um nível excelente de progresso e com um grande acesso às informações, tanto as que fluem pela mídia quanto as que vêm das nossas escolas, ainda se joga muito lixo nas ruas.

Ele relembra que há um ano vivenciamos uma grande tragédia muito perto de nós, quando o Morro do Bumba, em Niterói,veio abaixo pelo deslizamento da terra existente sobre um antigo lixão, o que culminou em centenas de mortes e prejuízos. Ainda hoje, muitos vivem desassistidos, tanto lá quanto na região serrana do Estado do Rio de Janeiro, que na mesma época experimentou o maior desastre ecológico de toda a sua história, em que foram ceifadas as vidas de muitos brasileiros.

No mesmo ano, assistimos ao tsunami que varreu parte do Japão, promovendo uma grande comoção e debate planetário sobre o que fazer com as usinas atômicas. As atitudes que a sociedade japonesa e seu governo demonstraram naquela experiência são exemplares, mas pouco há que se possa fazer quando a natureza reage ao tanto que nós lhe impomos de devastação e mau uso.

Entretanto, não há como falar de preservação da Terra sem esbarrar em outra questão, não apenas social e ética. O comprometimento que tem como pano de fundo o aspecto espiritual é principalmente um papel da Igreja, porque cuidar da criação de Deus é tema altamente bíblico, portanto, de maior responsabilidade dos cristãos. “É muito mais papel da Igreja, pelo que representa em sua relação com o Senhor, o Criador, do que papel do mundo.

No entanto, vejo muito mais ações no mundo secular do que nas próprias organizações cristãs. Muitas vezes vemos que nossos diálogos e ações denotam uma ‘capa espiritual’ que impedem que debatamos temáticas sociais, ainda que revelem o caráter cristão embutido na vida da Terra”, argumenta Marins, acrescentando que a sustentabilidade se dá quando tudo aquilo que se extrai da terra, para o consumo, a própria terra se incumbe, num processo natural, de repor.

“Cultivar”, “cultura” e “culto”, palavras de mesma origem

João Marins destaca ainda a importância do texto de Gênesis 2.15, em que Deus fez o homem, colocando-o no Jardim do Éden com a incumbência de cultivá-lo e guardá-lo.
Ele ensina que a origem da palavra “cultivar” é o verbo latino “colo”, que tem o mesmo radical de “cultura” e “culto”. Ou seja, quando pensamos em cultivar, somos geralmente levados a pensar em agricultura, cuidado com a terra, com a lavoura.

Mas se ampliarmos o entendimento de “cultivar”, associando-o aos conceitos de “cultura” e “culto”, vemos que podemos cultivar muito mais coisas do que simplesmente batatas ou tangerina. Cultivamos conceitos, valores, princípios morais e éticos, cultivamos conhecimento, relacionamentos etc.

Podemos então dizer que nós cultivamos em decorrência daquilo ou de quem prestamos culto. Assim, a forma como cultuamos, ou a quem nós cultuamos, poderá determinar o tipo de sociedade que seremos.“Simplificadamente, a forma como nos relacionamos com Deus em nosso dia a dia definirá nossas condutas, toda a nossa forma de viver”, aponta Marins.

Gestores do planeta

“Com relação ao verbo ‘guardar’, este está relacionado primeiramente à gestão do Jardim de Deus, uma vez que guardar não significa apenas vigiar ou esconder num lugar fora do alcance de intrusos; guardar significa administrar, observar se mantém as condições originais, considerando que há de se prestar contas diante daquele que nos incumbiu disso.

Guardar pode significar ainda promover proteção contra atos de destruição promovidos por pessoas ou por agentes naturais”, complementa o pastor. A gestão do planeta, afora as leis naturais, de acordo com os ordenamentos do Criador, está nas mãos dos homens.

Na medida em que esses homens se aliam responsavelmente para administrar o meio ambiente, o resultado será bem diferente daquele grupo de gestores que desviam para enriquecimento ilícito o dinheiro público destinado, por exemplo, ao cuidado das vítimas de danos naturais. Quando os relacionamentos se formam sobre a base da ética, dos valores morais e da fé pura, focados na construção de uma sociedade feliz e saudável, certamente influenciarão positivamente nas questões planetárias, tanto ambientalmente quanto nos demais fatores inerentes, como política, comércio e tudo o mais. Aliás, esse era o projeto original de Deus para os homens.

Oikos: casa-corpo, casa-cidade, casa-planeta

Marins explica que assim como a Palavra de Deus recomenda o cuidado, o zelo com o nosso corpo, por ser templo (casa) do Espírito Santo de Deus, assim também determina a preservação da natureza, habitat de todos os viventes. O pastor faz uma importante reflexão sobre a correlação do cuidado com nossa casa-corpo, casa-cidade e casa-planeta.
“Gostaria de sinonimar ‘templo’, como lugar de habitação para o Espírito Santo, e ‘terra’, como lugar de habitação para todos os seres vivos, com o vocábulo ‘casa’. O termo ‘ecologia’ é uma combinação de duas palavras gregas: ‘oikos’ significa ‘casa’ e ‘logos’ significa ‘estudo’. Assim, a palavra ‘ecologia’(oikos + logos) nos remete ao cuidado que todos temos que ter com relação à nossa casa, seja ela o nosso corpo, que devemos cuidar e que tem sido designado para habitação do Espírito de Deus em nós; seja ela a casa em que habitamos juntamente com a nossa família.

Daí vamos expandindo o entendimento desta responsabilidade para a nossa casa-bairro, casa-cidade, casa-país e casa-planeta, acrescentando que quem não está sendo fiel ‘no pouco’ [Mt 25.23] como conseguirá ser fiel sobre ‘o muito’? Esta reflexão pode ser colocada em relação a todos os demais ambientes sob nossa gestão: oikos-lar, oikos-bairro e até oikos-planeta”, explica.

Bíblia: manual de ecologia

Segundo o site Wikipedia, o cientista alemão Ernst Haeckel usou pela primeira vez o termo “ecologia” em 1869, para designar o estudo das relações entre os seres vivos e o ambiente em que vivem.  Mas, a Palavra de Deus é toda “ecologia”. Encontramos, por exemplo, instruções sobre o descanso que os judeus deveriam imprimir à terra. A informação, amparada pelos textos do livro de Levítico 25.4, diz que: ‘Durante seis anos você semeará o seu campo, e por seis anos podará sua vinha, e colherá sua produção, mas no sétimo ano, a terra deverá ter um completo repouso, um Shabat para o Eterno; você não semeará seu campo, não podará sua vinha, nem colherá os produtos de sua colheita… E [o produto do] Shabat da terra será seu para comer, para seus servos homens e mulheres, e para seu trabalhador contratado e residente que mora com você…’ (25:3-6).

E, ainda, durante o ano de Shemitá, os moradores da terra de Israel devem desistir completamente de cultivar seus campos. Eles também abrem mão da propriedade pessoal de seus campos; qualquer produto que crescer por si mesmo é considerado propriedade comunal, livre para qualquer pessoa pegar.

Projeto inspirado por Deus

Uma experiência que o pastor Ary Barcelos teve com Deus acerca do ministério que deveria exercer deu início a um sistema de reciclagem que é hoje uma iniciativa sustentável de sucesso na cidade da Serra, passível de ser repetida em qualquer outro lugar – basta que outros cristãos se interessem em reproduzi-la.

Sustentabilidade: Uma questão de ética e espiritualidadeEngenheiro aposentado, Ary é pastor-auxiliar da Igreja Evangélica Vida, na Serra, e montou a ONG Associação Beneficente Ágape (conhecida como Projeto Mão Estendida) para recolhimento e reciclagem de material plástico e alumínio. Ele envolveu a família e a igreja nesse serviço voluntário de coleta nas ruas e bares da cidade, que já dura 15 anos, e hoje recolhe mensalmente duas toneladas e meia de material, o que já soma mais de 5 milhões de garrafas pet retiradas do meio ambiente. Todo o material é reciclado e vendido para ajudar no sustento de 230 famílias que, em troca, também recolhem pelo menos 30 latinhas e 30 garrafas pet. O trabalho cresceu tanto que alcançou os condomínios e clubes do município.

O pastor Ary Barcelos conta que teve uma experiência espiritual forte em 1978 e ficou tão desejoso de anunciar o Evangelho que Deus lhe deu uma revelação, não tão sobrenatural, porém técnica. “Ele me direcionou a conseguir com os meus vizinhos material de alimentação para ajudar algumas famílias de baixa renda. No ato da entrega de cestas de legumes e frutas, aproveitamos para louvar e ler a Bíblia em conjunto com todos os beneficiados. Alguns anos depois, Deus me mostrou que as famílias contempladas com as cestas de alimentos poderiam sentir-se úteis cooperando com a preservação do meio ambiente e com o custo dos alimentos.

Dessa forma, eles trazem plásticos e alumínios em troca dos alimentos. Esse material é  revertido em recursos para a compra do alimento deles mesmos, além de garantir a limpeza de quase 20 bairros da Serra, com ruas livres de resíduos”, detalhou.  Para manter a igreja sempre consciente da importância da sustentabilidade, o pastor reserva um domingo por mês para falar sobre o tema durante o culto. Segundo ele, 30% da cooperação com material e alimentos sai da própria igreja. “Queremos aperfeiçoar esse trabalho e já conseguimos da Fundação Social do Banco do Brasil uma máquina de moagem para preparar a reciclagem. Recentemente conseguimos comprar um caminhão para transportar.”

A matéria acima é uma republicação da Revista Comunhão. Fatos, comentários e opiniões contidos no texto se referem à época em que a matéria foi escrita

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