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sexta-feira, 29 março 2024

Quando chega o sofrimento

Foto ilustrativa

“No mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo”, já alertava Jesus em João 16:33. Crendo ou não no Senhor, todas as pessoas terão aflições, enfermidades, dores físicas e emocionais.

Embora conscientes disso, muitos, inclusive crentes, têm dificuldade em lidar com o sofrimento. Afinal, o que ele representa? Como conviver com sua presença?

Os crentes de hoje vivem num tempo, no mínimo, curioso. Enquanto, de um lado, bilhões de reais e muita inteligência científica são investidos em técnicas, tecnologias e medicamentos para minorar as dores individuais, de outro lado a dor coletiva – a fome, as guerras, a miséria, a violência urbana, as injustiças de toda espécie, as tragédias cotidianas – parecem não despertar mais sequer compaixão.

Há uma espécie de torpor, de distanciamento que, desconfia-se, a mídia ajudou a provocar pela massificação e até banalização dessas imagens e informações em cadeia, não mais nacional, mas mundial. As estatísticas de roubos, assaltos, mortes nas estradas, epidemias e tantas outras tragédias acabam reduzidas a simples números, que não encontram eco nos corações a ponto de movê-los à misericórdia ou ao combate.

Vive-se no século da aspirina e do antibiótico, do conforto e da facilidade, em que ao menor sinal de dor quem está sofrendo pode ter à mão, rapidamente, um antídoto, e onde tudo é pensado e produzido para poupar esforço ao consumidor. Um século em que se exalta a beleza, a juventude e o vigor como ideais de vida e bem-estar. Um tempo em que as facilidades, de toda espécie, estão acessíveis a cada vez mais pessoas, que cada vez mais ardentemente as desejam.

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O que quase ninguém leva em conta é que desde a queda no Éden até a chegada do século XIX – ou seja, até cerca de 200 anos atrás apenas – a realidade cotidiana da humanidade nunca foi essa, antes pelo contrário. A dor e o sofrimento faziam parte da vida que, aliás, era bem mais curta do que hoje, em razão da dureza dos trabalhos, da constância da violência e opressão, do atraso da ciência.

É inegável que foi o próprio Deus quem permitiu o avanço da ciência e da tecnologia a favor do bem-estar dos homens. Mas também é inquestionável que Ele nunca prometeu que, no mundo, eles estariam livres do sofrimento. Essa é uma promessa para quando o Seu Reino estiver plenamente estabelecido, como afirmam I Pedro, 4:13 (“Mas alegrai-vos no fato de serdes participantes das aflições de Cristo, para que também na revelação da Sua glória vos regozijeis e alegreis”) e Romanos, 8:18 (“Porque para mim tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada”).

Por que sofremos?

O consagrado escritor cristão Philip Yancey, autor de “Onde Está Deus Quando Chega a Dor?”, entre outros best sellers, afirma nessa obra que a Bíblia registra a entrada do mal e do sofrimento no mundo “em conexão com a maravilhosa, mas terrível, qualidade dos seres humanos: a liberdade. O que nos torna diferentes (…) é que somos os únicos livres do comportamento instintivo e estereotipado das espécies animais. Temos poder de escolha e autodeterminação. (…) O indivíduo livre, entretanto, introduziu algo novo no planeta: a rebelião contra o plano original. (…) Por causa disso, um grande abismo separa as pessoas e o planeta de Deus. É incrível, mas Deus concedeu-nos a liberdade de viver exatamente como queremos, desafiando todas as regras do universo (pelo menos por algum tempo). (…) A ruptura se deu com toda a Criação, e não apenas com a espécie humana (…) Por isso, qualquer discussão sobre a injustiça do sofrimento deve começar com o fato de que Deus também não está satisfeito com a condição do planeta. (…) Não há mensagem mais categórica na Bíblia do que a insatisfação de Deus com o estado da Criação e da humanidade”.

Mas, então, por que muitos crentes têm dificuldade em aceitar o sofrimento como parte tão natural da vida quanto suas conquistas e vitórias? O pastor Washington Vianna, da Igreja Batista de Bento Ferreira, esclarece. “Não há nada na vida do crente sem propósito. Deus não olha para você, o acha ‘bonitinho’ e assim o abençoa. O inverso também é verdadeiro. Ele não permite o sofrimento ou age nesta direção por ‘não ter ido com a sua cara’. Deus sempre agirá pelos Seus desígnios e projetos maiores. É Ele quem está direcionando toda a história da humanidade e é dentro dessa que as histórias individuais se constroem. Assim, tanto sofrimento quanto alegria, devem ser vistos por esta perspectiva”.

O pastor Marcelo Aguiar, da Igreja Batista da Mata da Praia, explica que o sofrimento pode ter diferentes causas e propósitos. “O sofrimento pode desempenhar diferentes papéis na vida do crente. As Escrituras ensinam que as pessoas não sofrem sempre do mesmo jeito nem pelas mesmas razões. Um servo de Deus pode ser afligido como meio de disciplina (Hb 12.7) ou para prevenir uma queda (II Co 12.7). Quando alguém permanece fiel na tribulação, presta testemunho aos homens, aos anjos e aos demônios (Jó 2.3). O sofrimento promove a santificação (1 Pe 4.1), purifica a fé (1 Pe 1.7), gera perseverança (Tg 1.3), aproxima-nos dos sofredores (2 Co 1.4) e faz-nos semelhantes a Jesus (1 Pe 4.13)”.

A opinião de Philip Yancey é compartilhada por Aguiar, que destaca: “Deus pode permitir o sofrimento se ele concorrer para o amadurecimento do crente. Mas isso não é tudo. Uma vez que concedeu à humanidade o livre arbítrio, Deus permite o sofrimento porque permite que as pessoas façam escolhas. Nossas escolhas têm efeitos na nossa vida e na vida dos outros. E o efeito de más escolhas é o sofrimento. Portanto, o sofrimento no mundo não resultou de uma iniciativa do Criador. Esse ônus nos pertence”.

O pastor Washington complementa: “Davi viu seu filho, fruto do pecado com Bete-Seba, adoecer e morrer. O texto bíblico nos relata a íntima relação dessa morte com o pecado, e mostra com nitidez o sofrimento do rei. O pecado tem conseqüência. Diz a Bíblia que toda a natureza geme como conseqüência”.

A dor, “megafone” de Deus?

A idéia de que a dor e o sofrimento generalizados possam exercer a função de uma espécie de “megafone” de Deus para lembrar permanentemente à humanidade da condição decaída de toda a Criação é discutida por Yancey no livro e também aceita por ambos os pastores.

“Prefiro dizer que o sofrimento em geral é o fruto que nasce da semente chamada pecado, é conseqüência, mas é preciso destacar que em alguns momentos está mais ligado ao pecado da humanidade decaída e à necessidade de Deus continuar conduzindo a história na direção de seus desígnios. Exemplifico: Cristo não sofreu por seu pecado, mas pelo da humanidade. Os filhos doentes de Chernobyl, na antiga União Soviética, sofrem por causa do pecado de seus pais (a sociedade) inconseqüentes. A menina de 9 anos que teve abortada a gravidez de gêmeos sofre e geme junto com toda esta natureza decaída, que chega a tamanha desgraça”, afirma Washington.

Marcelo Aguiar faz questão de destacar, porém, que “Deus pode nos falar através da dor (Jó 33.14). Sabemos que Ele é bom, e por isso é natural esperarmos que Ele nos envie coisas agradáveis. É como uma criança que leva algum tempo para entender por que seus pais a deixam de castigo ou levam para tomar injeção. Daí o pensamento de muitos de que o sofrimento deve resultar da ação do diabo, da presença de pecados ou da falta de fé. É uma visão infantil, calcada no pensamento de que só aquilo que é agradável pode ser bom. Em um mundo decaído (como infelizmente é o caso do nosso), isso simplesmente não é verdade”.

As causas da dor

Falando sobre os questionamentos que muitos se fazem ao enfrentar doenças, tragédias ou problemas pessoais, Philip Yancey sustenta que a maior parte da confusão mental sobre o assunto deriva do problema da causa, e lembra que para os cristãos, que acreditam num mundo governado por um Deus justo e piedoso, esse aspecto torna-se ainda mais crítico.

“Por que comigo” ou “O que será que Deus está tentando me dizer?”, ou ainda “Isso não é justo!” são pensamentos comuns a quem enfrenta situações de perda ou dor, mas Yancey afirma: “A Bíblia não esclarece a questão da causa da dor. Mas há nela uma passagem que aborda o sofrimento. (…) Está no livro de Jó (…). O livro de Jó deveria colocar um ponto final na idéia de que toda vez que sofremos é porque Deus está nos castigando ou tentando nos dizer algo. Aparentemente, o livro (…) gira em torno do sofrimento (…). Mas, na verdade, há outra questão em jogo: (…) As provações de Jó originaram-se de um debate no céu sobre a questão ‘Os seres humanos são realmente livres?’ (…) Satanás alega que (…) Jó estava condicionado a amar a Deus. Se as recompensas positivas fossem retiradas, desafiou, sua fé desmoronaria. (…) Tal acusação foi um ataque ao caráter de Deus. Insinua que Ele não é digno de ser amado pelo que é (…). A resposta de Jó (…) provaria se Satanás estava certo ou não. É desejo de Deus que nós O amemos por livre e espontânea vontade, embora tal escolha traga sofrimento, por estarmos submissos a Ele, não a nossos sentimentos nem a recompensas”.

Como lidar com o sofrimento?

“O cristão deve enfrentar o sofrimento com sinceridade. Deus não condenará você por lhe dizer como está se sentindo! Ao mesmo tempo, o sofrimento deve ser enfrentado com fé. Podemos ser tentados a duvidar da bondade de Deus ou do seu amor por nós. Nessa hora, é indispensável que olhemos para a cruz, pois é impossível duvidar do amor de Deus quando nos lembramos do que Ele fez por nós no Calvário. A cruz me ensina que, embora o sofrimento possa às vezes me encher de perguntas, ‘falta de amor da parte de Deus’ certamente não é a resposta”, ressalta o pastor Marcelo Aguiar.

Ele lembra que a Bíblia orienta a encarar o sofrimento de maneira construtiva. “Em primeiro lugar, como já disse, precisamos expressar sinceridade e fé. Entender que nem sempre teremos as respostas, mas sempre poderemos confiar em Deus. Tiago chega a dizer que, encarado de forma correto, o sofrimento se transforma em motivo de alegria (Tg 1.2,3). E Paulo, que experimentou uma forma profunda de sofrimento, chegou ao ponto de glorificar a Deus pela sua dor (II Co 12.10). Essa é a atitude que pode nos levar não apenas a suportar, mas a vencer o sofrimento.

Para o pastor Washington, “antes de tudo, o crente deve continuar pautando sua vida pelos princípios do amor ao próximo, da fé e dependência de Deus. Não se deixando desesperar, nem permitindo que a dor o cristalize, esfriando seu coração ardoroso. E, o quanto possível, buscar compreender onde sua dor se encaixa nos propósitos maiores de Deus. Se não encontrar, a melhor oração a ser feita é: ‘Pai use todo o sofrimento para glória Tua’. Algo que não recomendaria seria ficar procurando culpados. Lembre-se do que perguntaram a Cristo diante do sofrimento da cegueira: ‘Rabi, quem pecou, este ou seus pais?’. Ele foi claro ao dizer que nem uma coisa nem outra, ou seja, isto não é o importante, mas sim que aquele sofrimento era para glória de Deus”.

O sofrimento é um fato. Confrontar-se com ele é inevitável. Nem mesmo Jesus escapou. Mas é preciso sempre se lembrar de que, enquanto esteve na Terra, Ele tudo fez para minorar o sofrimento dos que o cercavam, embora tenha se recusado a evitar o Seu próprio sofrimento. E foi justamente esse sofrimento a mais preciosa dádiva e a mais poderosa mensagem que Jesus deixou: através dele, comprou Seus filhos a preço de sangue, e plantou idéias que até hoje reverberam, influenciando definitivamente a história da humanidade.

“Onde Está Deus Quando Chega a Dor?”
Philip Yancey
Editora Vida

A MATÉRIA ACIMA É UMA REPUBLICAÇÃO DA REVISTA COMUNHÃO. FATOS, COMENTÁRIOS E OPINIÕES CONTIDOS NO TEXTO SE REFEREM À ÉPOCA EM QUE A MATÉRIA FOI ESCRITA.

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