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quinta-feira, 25 abril 2024

O “santo” dos crentes

A veneração aos santos da cultura católica, tão criticada pela Igreja evangélica, agora “brota” no meio dos crentes que criam seus “ídolos”, abandonando a Bíblia e entregando sua “adoração” a objetos, indivíduos e rituais cheios de sincretismo

“Um certo homem nasceu com uma lesão tão séria nos pés que nunca conseguiu andar. Ele estava sentado ouvindo o apóstolo Paulo falar e teve muita fé para ser curado. Paulo, percebendo isso, olhou-o firme e disse: ‘Levanta-te direito sobre teus pés’. E ele saltou e andou. Quando as multidões viram o feito do apóstolo, bradaram: ‘Fizeram-se os deuses semelhantes aos homens, e desceram até nós’.

O "santo" dos crentes
“Se ‘os amuletos’ forem tirados, muitos abandonarão essas igrejas e procurarão um ‘santo mais forte”‘ Wanderley Lima, pastor Batista e professor

E chamavam a Barnabé de Júpiter e a Paulo, de Mercúrio. Um sacerdote levou touros e grinaldas para serem sacrificados perante os apóstolos, considerados deuses. Mas, quando Paulo e Barnabé ouviram isso, protestaram rasgando suas roupas e correram para o meio da multidão, gritando: ‘Senhores, por que fazem essas coisas? Nós também somos homens como vocês, sujeitos às mesmas paixões. Convertam-se dessas vaidades, ao Deus vivo, que fez o céu, a terra,  o mar e tudo quanto há neles’.”

Essa passagem registrada em Atos 14:8-15 retrata o perfil e o caráter de quem se recusou a receber glória, reverência ou qualquer manifestação de adoração que não seja para o único Deus verdadeiro. Entretanto, a experiência desses homens de fé, vivida no século II, parece ter se invertido diante de tantos movimentos que exaltam personalidades e idolatram e sacralizam pessoas, objetos e símbolos, no lugar de Deus. Estariam os cristãos de hoje na contramão da adoração bíblica? Seria possível conceber a ideia de evangélicos buscando atalhos para chegar a Deus? Os crentes também têm seus santos? O que está acontecendo com a Igreja evangélica?

O Pr. Wanderley Lima Moreira, professor de Hebraico e Exegese do Antigo Testamento no Seminário Teológico Batista do Espírito Santo, é enfático: “Em termos gerais somos idólatras, pois apenas uma pequena porcentagem dos membros das igrejas protestantes frequenta essas comunidades por amor a Cristo e às Escrituras. A própria rotatividade do rebanho em busca do ‘homem de Deus’ demonstra uma religiosidade pressuposta no homem, e não no Pai”.

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Para o Pr. Carlos Bregantin, do Caminho da Graça, em São Paulo, já foi o tempo em que o povo evangélico era totalmente avesso a qualquer tipo de conduta que leve a esse perigoso caminho. “Apesar de continuarmos abominando a idolatria e crendices em outros grupos religiosos, construímos nossas próprias ‘pequenas’ idolatrias. Hoje é muito comum observar-se, às vezes sutilmente, mas outras vezes explicitamente, as crendices e idolatrias em nosso meio.”

Ele chama atenção para uma realidade crescente dentro da Igreja. “Conheço muitos irmãos católicos com uma percepção profunda do Evangelho. Muitos têm abandonado a idolatria por si mesmo, isto é, por entenderem o Evangelho a partir do Evangelho, e não das doutrinas. Infelizmente, podemos perceber que os evangélicos estão invertendo os lugares, ou seja, tornando-se idólatras, e não adoradores. Isso já está acontecendo, tamanha a contaminação que o movimento evangélico sofreu com o mercado religioso, que tem uma clientela consumidora de produtos e um marketing que induz ao consumo de tudo: o sermão, o culto, a Bíblia, os livros, etc.

Além disso, faltam-nos homens de Deus que recusem ser venerados. Ao contrário, recebem a ‘adoração’, diferentemente dos apóstolos no livro de Atos.” O grande risco é deixar para trás valores da Igreja cristã dos primeiros séculos e tomar um caminho equivocado, em busca de atalhos para se chegar ao Soberano, na contramão do que ocorreu na Igreja de Corinto, onde muitos que diziam “Eu sou de Paulo; “outros”: “Eu de Apolo”, foram considerados carnais. “Pois, quem é Paulo, e quem é Apolo, senão ministros pelos quais crestes?” (I Co 3:4,5).

Bregantim denuncia alguns tipos de idolatria muito comuns no meio evangélico: a “apostolatria”(quando se adoram apóstolos); a “bispolatria” (quando se adoram bispos), a “canticolatria” (quando se adoram cânticos e músicas); a “pastorlatria” (quando se adoram pastores), a “cultolatria” (adoração aos cultos) e a instituciolatria (adoração a instituição ou denominação).

Manipulação

Pastor sênior da Primeira Igreja Presbiteriana de Curitiba (PR) e secretário executivo do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil, Juarez Marcondes Filho alerta para a desfiguração do Evangelho por parte das chamadas “igreja de mercado”, “igreja que funciona” ou “igreja que dá certo”.

Segundo ele, esses segmentos parecem fazer um esforço de assimilação de práticas de outras religiões para o culto e a liturgia da Igreja cristã, como a postura do pregador que incentiva o fiel a colocar copo d’água em cima do aparelho transmissor na hora da oração ou, ainda, a ida a determinados lugares sagrados para obtenção de bênçãos.

“O deslocamento de Deus do Seu trono de graça para elevar o homem a tal condição, de per se (por si mesmo) já é uma enorme distorção do Evangelho. A mistura desemboca em algo que podemos chamar de ‘herético’. Acréscimos, penduricalhos diversos, não contribuem para a glória do Evangelho. A Igreja hoje está precisando urgentemente de uma nova Reforma, voltar aos fundamentos.”

O "santo" dos crentes
“O deslocamento de Deus do Seu trono para elevar o homem é distorção do Evangelho” Juarez Marcondes, pastor sênior da Igreja Presbiteriana

Empresário, presbítero e ex-presidente da Visão Mundial do Brasil e do Conselho da World Vision International, Roberto Costa de Oliveira cita alguns movimentos religiosos no meio evangélico que têm crescido enormemente no Brasil. “Muitas dessas denominações são verdadeiros feudos de seus líderes (culto à personalidade) e elaboram seus próprios valores e rituais. Em muitas dessas igrejas se cultiva a troca de dízimos e ofertas pelo favor de Deus, que nós sabemos nas Escrituras que é de graça. São formas de exploração de pessoas incautas que buscam sinceramente a Deus. Movimentos que praticam rituais seculares ou folclóricos como forma de adoração são radicalmente repudiados pelas Escrituras como idolatria, que é a pior forma de degradação religiosa.”

A respeito de líderes que “transferem” bênçãos aos seguidores, Wanderley Lima afirma que “isso pode ser comprovado na atuação dos alguns tele-evangelistas, que manipulam a massa ansiosa por milagres a qualquer custo, mesmo que seja um ritual que coloque ‘a coisa’ acima das Escrituras”. Juarez Marcondes acredita que isso se deve à competitividade. “O ditado de que a galinha do vizinho dá caldo mais grosso também entrou no ambiente das igrejas. Isso se chama igreja que dá certo. Não é um bom princípio.”

Biblicamente, a idolatria é condenável (Dt. 5:7-8). O ídolo é uma pessoa ou algo a quem se dá exagerado afeto ou respeito. Podemos idolatrar um cantor gospel, um pregador famoso, um emprego, um partido político, dinheiro. Todas esses elementos podem ser um dos “santos do crente”. Por isso, fujam da idolatria (I Co. 10:14).

Os santinhos

O contato com grupos distintos resulta em “adaptações”. Essa mistura de fé, crenças e crendices revela a fusão de diferentes doutrinas para a formação de uma nova. Esse fenômeno, chamado de sincretismo religioso, absorveu crenças e levou acessórios da fé para dentro da Igreja.

Uns chamam de amuletos, apetrechos ou penduricalhos da fé. Imitações da Arca da Aliança, óleos de Israel e água do Jordão, cajado de Moisés, lenço ungido, água com poderes milagrosos, sal grosso, pulseiras abençoadas, kit de beleza da rainha Ester, oração nos montes e no vale e outras infinidades de elementos oriundos da cultura judaica, do catolicismo e até mesmo das religiões de matriz africana estão se transformado numa espécie de “santo dos crentes”.
O "santo" dos crentes

O Pr. Wanderley explica que os cultos começaram a receber elementos emocionais e simbólicos quando o protestantismo brasileiro passou a atrair pessoas de vários credos. “Movimentos de sacralizações de pessoa e objetos foram surgindo no anseio de aumentar as membresias. Se ‘os amuletos’ e os símbolos sincréticos forem tirados, muitos abandonarão essas igrejas. Partirão em busca de um ‘santo mais forte’. Se tirar ‘o santo dos crentes’, muitos se desviarão.”

O empresário Roberto Costa faz uma importante exortação acerca dessa área sensível na vida do crente. “Alguns têm seus ‘santos’, inclusive o livro da Bíblia. É a bibliolatria. Conheço uma senhora que usava sua Bíblia no painel do carro para protegê-la de acidentes. Isso não é confiar no Senhor todo-poderoso.” Wanderlei esclarece que “a palavra hebraica “tərāp̄îm” (“terafim”), que significa literalmente “ídolos caseiros” ou “ídolos do lar”, aponta para pequenas estatuetas representativas de divindades adoradas. Os hebreus idólatras acreditavam que a presença delas em suas cabanas traria segurança e proteção, uma vez que a própria divindade estaria nas suas casas”. Os terafins aparecem em Gênesis 31:19, quando Rachel rouba alguns que seu pai possuía. Também em Gênesis 35:2, o termo surge quando Jacó ordena que sua família lance fora de suas casas todos os terafins.

No Novo Testamento, a idolatria é apresentada de forma mais sincrética. A diferença está no fato de que a adoração é feita ao Senhor Deus, porém, com a importação de elementos da cultura helenístico-judaica, culto aos anjos, etc. Em I Coríntios 12:2, Paulo chama os ídolos de “mudos”, pois “têm boca e não falam” (Sl:115,5). A expressão grega “eidolon” (“ídolo”) também aparece em Apocalipse 9:20, numa repreensão contra a busca espiritual em artefatos materiais. A idolatria no Novo Testamento valoriza a forma, mais do que a essência divina.

Sincretismo X cultura

A palavra “sincretismo” tem origem no grego “synkretismós”, uma vez que Plutarco (46-120 d.C) utilizou o termo pela primeira vez para designar a “reunião das ilhas de Creta contra inimigos comuns”. A preposição que inicia a palavra (“syn”) tem o sentido de “trazer junto” ou “ajuntar”.

Para Wanderlei, está muito claro que o sincretismo religioso tem como meta o engano, a alienação de pessoas simples, objetivando arrecadações de dízimos e ofertas cada vez maiores. “Não existe base bíblica para essas aberrações. O apóstolo Paulo, em Romanos 1:23-25, afirma que eles ‘trocaram a glória do Deus imortal […]  e adoraram e serviram a coisas, em lugar do Criador’.  I Timóteo diz que ‘há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens: Cristo Jesus’. Na oração, na adoração e na missão não há necessidade de ‘fazermos pontes com rituais’.”

O "santo" dos crentes
“Muitas denominações são verdadeiros feudos de seus líderes” – Roberto Costa, empresário e presbítero da Igreja Presbiteriana

Em João 14: 6,13 o próprio Cristo adverte: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”, deixando claro que nenhum amuleto ou acessório material seria necessário para se aproximar dEle. “Os únicos símbolos aceitáveis numa liturgia bíblica são os elementos da Ceia do Senhor, a água utilizada no batismo, palmas, cantos, discursos, encontros comunitários, ensinamentos e variados tipos de orações.”

Juarez Marcondes defende que o conhecimento da cultura de um grupo é um facilitador para que a expressão de fé possa ser assimilada por um determinado povo. “Nem tudo deve ser tomado como maligno; muito da arte, da música, da arquitetura, dos costumes, pode ser ponto de contato com o Evangelho. O Salmo 150 é o corolário do louvor a Deus, e nele entram todos os instrumentos. Mas uma coisa é a criatividade dentro dos limites da Palavra de Deus, outra, é a invencionice dos homens.” Wanderley concorda e destaca que é preciso contextualizar a adoração, a práxis missional e o ensino bíblico sem negociar a verdade bíblica.

Roberto Costa resume que a comunicação do Evangelho com dados de uma cultura “dá aquela sensação gostosa de estar falando de elementos familiares. Já o sincretismo é odioso quando mistura aspectos religiosos da cultura, inclusive de cultos totalmente estranhos ao Cristianismo, com elementos da revelação bíblica. A mistura denota impureza,infidelidade e idolatria”.

Ações que mesclam folclore, simpatias ou práticas de azar não têm lugar na vida cristã. “As Escrituras devem julgar a cultura, e não o contrário. Toda cultura, por mais ‘cristianizada’ que seja, possui elementos malignos (I Jo 5:19), mas tem expressões sadias que devem ser usadas. Paulo fez isso em Atenas, ao citar poetas gregos; observou e se referiu aos muitos deuses que compunham a sua cultura filosófica, usando essas características na comunicação do Evangelho puro em seu discurso relatado em Atos 17.”

O mágico

O personagem Elimas, descrito no livro de Atos, era judeu, mágico e falso profeta.
Ele conhecia a sua forte tradição religiosa, as leis de Moisés e os usos e costumes da religião judaica. A magia era uma prática de ocultismo proibida. Elimas atrevia-se a falar em nome de Deus e tinha uma postura sincrética atendendo pelo nome de Barjesus, ou seja, filho de Jesus.

O apóstolo Paulo o chamou de filho do diabo, cheio de todo o engano e malícia, inimigo de toda a justiça, uma figura que tentava perverter os retos caminhos do Senhor. Os falsos profetas geralmente conhecem os sentimentos e as fragilidades espirituais dos que os ouvem e não perdem a oportunidade de lembrá-los de que têm autoridade para determinar-lhes a “vontade divina”. A ordem de Jesus para nós em relação a esses enganadores é: “Acautelai-vos”.

Nossos entrevistados são unânimes ao dizer que a Igreja protestante precisa retornar às Escrituras. Isso significa que a atitude dos reformadores necessita ser repetida. Em 1517, isto é, há 500 anos, o movimento chamado Reforma Protestante enfrentou a Igreja romana com as verdades bíblicas. “Precisamos urgentemente de apologistas para fazer uma nova reforma na Igreja brasileira e ensinar doutrina bíblica aos jovens para que não sejam enganados pelos falsos profetas”, disse Juarez Marcondes.

A Igreja é apostólica, ou seja, baseada na doutrina dos apóstolos de Cristo, o fundamento que não pode ser alterado. Não existe uma verdade para cada um.  Jesus deve ser o foco, o autor e  consumador da fé (Hb 12:1).  A cura para a fé cristã da atualidade é conferir nas Escrituras tudo o que se ouve, caso contrário, faremos parte de instituições religiosas sincréticas que, em nome da tolerância, abrem mão da verdade bíblica.

O "santo" dos crentes

A matéria acima é uma republicação da Revista Comunhão. Fatos, comentários e opiniões contidos no texto se referem à época em que a matéria foi escrita

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