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sábado, 20 abril 2024

João Alexandre fala sobre a música cristã atual

” Temos a musicalidade mais rica do mundo e a mais renegada pelo seu próprio povo. E isso se reflete também dentro das igrejas”

Com mais de 30 anos de estrada, João Alexandre é um dos mais respeitados representantes da música popular brasileira cristã. Natural de Campinas (SP), cresceu em um lar evangélico e desde cedo mostrou gosto pelo louvor. De opinião forte, defende a inclusão de elementos da cultura do país na música evangélica, a adoração como ferramenta de evangelismo e critica coisas que percebe no gospel atual, como a exposição excessiva para cantores e bandas.

Muitos músicos evangélicos se dizem influenciados por você. Mas quais foram as suas influências no início de carreira?
Percebo que quem toca ou canta, ou seja, quem está diretamente envolvido com música, se liga mais em meu trabalho. E me sinto honrado e agradecido a Deus por esse carinho e respeito, de coração. Meu pai tinha 45 anos e minha mãe 43, quando nasci. Desde muito cedo, aprendi a ouvir músicas antigas, serestas, música caipira de viola, regionais. Minha mãe cantava, desde os hinos dos hinários cristãos até valsas antigas de Nelson Gonçalves, e meu pai de tangos de Carlos Gardel aos sucessos de duplas sertanejas. E eu sempre me liguei, desde antes de meu primeiro violão, aos 12 anos, aos elementos da música: melodia, ritmo, harmonia e nas letras. Construía a ponte entre bandas e nomes americanos que tocavam no rádio e os brasileiros que apareciam na TV: Chico Buarque, Caetano Veloso, Originais do Samba, Kleiton e Kledir, Ivan Lins, Tonico e Tinoco, Roupa Nova, 14 Bis, Eagles, Cassiano e Tim Maia. Enfim, me tornei um verdadeiro liquidificador de influências musicais desde muito cedo. Entre os grupos e bandas cristãs, ouvia os corais das igrejas, o Heritage Singers, Phil Keagui, Rebanhão, Janires, Vencedores por Cristo, Jovens da Verdade e por aí vai.

O que pensa da ideia de inserir elementos da cultura brasileira na música cristã? Acha que se trata de dar identidade à nossa música?
Penso ser fundamental. Vivemos uma musicalidade cristã importada, mais americana de segunda do que brasileira de primeira. Ironicamente, os americanos, por exemplo, não copiam ninguém. O problema é que, se não somos uma cópia fiel de nós mesmos, fatalmente nos transformaremos numa cópia mal feita de alguém. Temos a musicalidade mais rica do mundo e a mais renegada pelo seu próprio povo. E isso se reflete também dentro das igrejas. A cultura brasileira é constantemente “mundanizada” por alguns cristãos, enquanto a cultura de outras nações é “biblificada” e até “idolatrada”. Por sermos um país antropofagicamente cultural, feito da mistura de negros, índios e europeus, fora outras tantas etnias, temos uma busca de identidade perdida, muitas vezes sem direcionamento, quase à mercê de outros países que chegam aqui, se instalam e colonizam os ouvidos e a mente do povo brasileiro muito facilmente. Mas o Brasil tem sim, a sua própria verve cultural e musical e esta merece espaço e valorização dentro dos cultos, a fim de que a Deus seja engrandecido através dela.

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Como percebe a música evangélica que está sendo feita no Brasil atualmente?

Penso que sempre existirá um lado comercial insistente, ditado por algumas poucas e sobreviventes gravadoras, como sempre houve, talvez menos latente hoje, mas com o apelo de sempre, o financeiro. E acho que existe uma diferença muito grande entre o que as pessoas gostam de ouvir e o que elas precisam ouvir sobre Deus. Então, a grande questão do músico cristão e de sua música é decidir em qual dos dois mundos pretende sobreviver e criar suas canções.

O louvor apresentado hoje nas igrejas é algo edificante?
Depende da liderança de cada igreja. Há aquelas que não se incomodam em cantar o que todo mundo canta, sem critérios nem julgamentos, pelo simples preocupação de não serem alienadas da maioria. E há aquelas preocupadas com a edificação de seus membros e freqüentadores, que avaliam as canções de forma cuidadosa e não se deixam levar pelo gosto “das massas” ou da maioria, por pior ou melhor que seja ele. Penso que cada igreja acaba ouvindo e cantando a música que merece, porque é uma questão de escolha.

Da época em que você começou para o cenário atual, o que acredita ter melhorado? Algo piorou?
Na minha época, sem saudosismo, os compositores cristãos tinham em mente o objetivo de não dever nada aos grandes compositores e intérpretes brasileiros e calcavam suas letras em poesia, profundidade, argumento e verdade bíblica, sem se importar em cantar o “evangeliquês universal”. Era o músico e sua música querendo levar as pessoas a Deus, de forma incisiva e inquestionável. Hoje, vejo o sombrio objetivo de usar Deus e a música para trazer as pessoas até determinado cantor! Por causa da internet, ser uma celebridade, ser alguém “visitado” e “curtido” por uma grande maioria, se tornou mais importante do que a qualidade da Música criada por esse alguém. Antes, alguém bom no que fazia se tornava conhecido por isso e hoje, só porque alguém é conhecido, todo mundo acha que esse alguém é bom no que faz. Coisas da mídia, como sempre, que costuma refenizar o ouvido e a mentalidade das pessoas. Se duplicamos em qualidade vocal, instrumental e produtiva, quintuplicamos a superficialidade e irrelevância profética e poética de nossas canções.

Como avalia seu trabalho no campo de missões? O que aprendeu ao fazer o Ide?
Aprendi que, dentro das paredes do templo existem mais vícios e alienação do que fora delas.
Quando você enxerga a necessidade do amor de Deus na vida das pessoas, estando e vivenciando suas realidades, percebe o quanto ainda se perde tempo com questões totalmente irrelevantes como liturgias, formas de culto e doutrinas. Temos, infelizmente, muitas igrejas cheias de pessoas vazias e o mundo continuará nos enxergando assim, se não aproximarmos o conceito de “igreja” (Instituição humana) da “Igreja” (Corpo de Cristo) que não é para onde vamos ou onde estamos, mas aquilo que somos em qualquer lugar.

Como a música pode ser usada como ferramenta de evangelização?
Inserida no contexto cultural e vivencial de cada lugar onde é expressa e cantada. Falando sobre a vida e o cotidiano das pessoas e suas questões mais pessoais e profundas. Sendo relevante, pertinente e arraigada nas questões sociais e políticas de um país. Promovendo boas novas e boas obras, evangelização e serviço. Adequando a sonoridade dos instrumentos e ritmos àquilo que o povo costuma ouvir, porém, de forma educativa e consciente, sem subjugar a inteligência das pessoas!

Em um determinado momento, você passou a assumir todas as etapas de produção de seus discos. Quais as vantagens e as desvantagens de realizar por conta própria toda a produção de um álbum? E o que o levou a “cobrar o escanteio e correr para dar a cabeçada”?
Acho que a liberdade é o grande fator nesse caso. Poder cuidar de todas as etapas de um trabalho sem interferência de nada e de ninguém é maravilhoso. E o maior benefício dessa liberdade é poder expressar as Verdades do Evangelho sem ter que me preocupar em agradar a muitos ouvidos, mas a um Único ouvido, o de Deus. Quero vender meus CDs, como todo artista cristão, mas estando certo de que cumpri a missão mais difícil, que é ser verdadeiro comigo, com os outros e com a Palavra de Deus.

Existem instrumentos consagrados a Deus? E existe algum que não se recomenda dentro dos templos?
Existem vidas consagradas a Deus e o que delas vier será para Ele. Se Deus tem poder pra mudar uma vida, não teria pra mudar um instrumento? Dito isso, é claro que existe uma questão de adaptação de gosto e senso comum que cada igreja deve procurar a fim de que todos adorem a Deus com alegria, sem preconceitos. O culto a Deus não precisa nem de música, se pensarmos mais profundamente. Adoração é o culto da vida, na vida de culto. O salmista, no Salmo 150 nos dá uma noção dessa amplitude de possibilidades, ao encerrar o livro dos Salmos com “todo ser que respira, louve ao Senhor!” depois de perceber inutilmente que sua lista de instrumentos poderia ser limitada demais!

Qual é a sua posição a respeito de evangélicos que são músicos profissionais foram do cenário gospel? Esse músico pode ou deve trabalhar em ambientes seculares?
O mundo é secular e não evangélico! Seria o mesmo que perguntar se um médico deveria operar só num hospital cristão ou um pedreiro construir com tijolos santos e concreto consagrado! A vida de um músico cristão deve ser consagrada a Deus onde ele estiver atuando, seja dentro ou fora das paredes do templo e somente ele pode responder diante de Deus pelos seus próprios atos, assim como qualquer outro profissional que reconheça Jesus como seu Senhor e Salvador e faça parte do Corpo de Cristo. Não existem profissões santas, mas pessoas santas exercendo profissões e quem acha que um músico só deve trabalhar dentro da igreja, que pague o seu salário pra isso!

Como o músico pode conciliar profissão e ministério?
Ministério é serviço voluntário a Deus e profissão é serviço remunerado. Assim sendo, ele, o próprio músico profissional e mais ninguém, é quem deve decidir quando abrir mão de um ou de outro! Obrigar um músico tocar na igreja e doar seu talento é uma antítese e um descalabro, pra não chamar de falta de amor! Só ele é quem deve decidir doar seu trabalho, seu tempo e seu sustento ou parte dele para uma igreja e não a liderança que o contrata ou se utiliza de seus dons e serviços.

Qual é a importância do ministério de música para as igrejas hoje?
Para algumas, exagerado, para outras, ineficiente, mas a grande maioria, desfocado de seu verdadeiro objetivo que é ensinar sobre a importância da Pessoa e da Presença de Deus na vida do homem, muito mais do que sobre Seus feitos, bençãos e maravilhas. Nenhuma benção de Deus pode substituir o valor de Sua presença!

Qual é o balanço que faz do seu ministério?
Tenho pensado e caminhado no sentido de viver mais com menos, parando de correr atrás do vento e me dedicando à minha esposa, já que nosso único filho, Felipe, se casou há 1 ano atrás. Quem me conhece, sabe o quanto sempre priorizei e priorizo a minha família, minha melhor parte, sem o apoio da qual, nunca teria realizado nada e agora sinto que é tempo de tirar o pé do acelerador, trabalhando o necessário e o suficiente pra sobreviver em paz. Deus tem me dado a Graça de viver das canções que compus há muitos anos, que hoje parecem novas para alguns e renovadas para outros e tenho composto a conta gotas mesmo, quase nada! Penso que, se hoje colho o fruto de poder viver de minhas primeiras canções, é por conta de um bom começo, bem direcionado por mentores especiais como Guilherme Kerr, Sérgio Pimenta, Nelson Bomilcar, Aristeu Pires, Sérgio Leoto, só pra citar alguns, que me ensinaram a compor para toda uma vida ao invés de somente para uma determinada época! Parodiando a mim mesmo, “Só quero estar com Deus nas minhas fraquezas e provar Seu poder!”

Alguma novidade para os próximos meses? O que planeja para o restante de 2014?
Um novo CD de minha esposa está a caminho, com arranjos maravilhosos do meu filho. E talvez, ainda sem previsão, um novo CD de voz e violão, reiniciando o ciclo de minhas primeiras produções, mais enxutas e intimistas.Ou até um CD de cânticos com ritmos e estilos brasileiros, pra furar o bloqueio das músicas importadas. Tudo pode acontecer.

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