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sexta-feira, 29 março 2024

Após escândalos, igrejas evangélicas estão “Abatidas, mas não destruídas”

Vítima de quem deveria protegê-la e sob desconfiança e ataques da opinião pública, a Igreja Evangélica capixaba tem enfrentado talvez um de seus piores calvários ao ser cenário de escândalos envolvendo líderes evangélicos e desvio de dinheiro. Certa de que o suposto erro de alguns não pode apagar uma história e nem encurtar um legado, a Revista Comunhão traz a orientação de especialistas, o exemplo de líderes e os frutos eternos da instituição que tem servido a Deus e à humanidade ao longo de séculos 
No início de fevereiro, as denúncias divulgadas pela imprensa sobre o suposto desvio de dízimos e ofertas de algumas denominações evangélicas capixabas caíram como uma bomba no seio da igreja. Segundo investigações policiais, milhões de reais doados por fiéis teriam sumido dos cofres eclesiásticos e ido parar na conta bancária pessoal de líderes religiosos.
No entanto, casos pontuais, envolvendo meia dúzia de pessoas – que já se encontram em processo de investigação por parte das autoridades – têm ofuscado e até mesmo tentado enxovalhar a igreja evangélica, como instituição, e toda sua contribuição ao longo da História.
“Ai do mundo, por causa dos escândalos; porque é inevitável que venham escândalos”, disse Jesus aos seus discípulos (Mt 18:7) antes de um o trair, outro o negar e vários o abandonarem. Conhecedor do coração humano, Jesus deixou registrada a certeza de que não viveríamos num mundo sem falhas.
“Escândalos acontecem em todos os setores da sociedade, inclusive na igreja. Onde está o homem, aí há possibilidade de erros. A igreja militante é composta de pecadores. Há ainda em seu meio pessoas sujeitas a erros e fracassos”, disse o reverendo Hernandes Dias Lopes, da Primeira Igreja Presbiteriana de Vitória.
O pastor ressalta que a postura da igreja não deve ser a de encobrir e nem de se acostumar com os escândalos. “Os faltosos precisam ser repreendidos e disciplinados. A igreja de Deus precisa ser exemplo de integridade e transparência no meio de uma sociedade corrupta”, alerta.

DINHEIRO
Solução para os problemas de muita gente, a questão financeira pode se tornar uma pedra de tropeço em muitas igrejas evangélicas onde não há uma boa administração dos recursos. Uma ação preventiva defendida por Hernandes é uma rigorosa prestação de contas com relação ao uso do dinheiro arrecadado. Na Igreja Presbiteriana, por exemplo, as finanças não são administradas pelo pastor, mas por uma Comissão de Tesouraria, formada por integrantes da igreja, que prepara relatórios e informa, em assembleia com os membros, todas as movimentações financeiras. Outras denominações agem da mesma forma ou de maneira bem semelhante.
O pastor Jayjairo Castelo, titular da Igreja Assembleia de Deus de Paul, em Vila Velha, disse que é imprescindível que toda igreja se organize e conte com a assessoria de uma contabilidade externa. “Muitas não atentam para essa necessidade de organização financeira. É fundamental que a igreja tenha um contador externo, imparcial. Precisa ser uma firma idônea, especialista em contabilidade eclesiástica, que tenha liberdade e não sinta constrangimento em alertar ou chamar a atenção da liderança da igreja quando algo estiver errado”, defendeu Jayjairo.
O líder também ressaltou a necessidade de se criar, na igreja, uma comissão de tesoureiros. “Nós temos três, quatro tesoureiros. O pastor nunca mexe com o dinheiro da igreja. A cada semestre, a comissão traz o balanço financeiro e fixa em local bem visível na igreja para que todos os membros tenham acesso”. Ele contou ainda que o dinheiro arrecadado é revertido para a manutenção da igreja, pagamento de funcionários, prebenda (ajuda financeira) aos pastores e investimentos nas áreas social e missionária.
Na Igreja Metodista Wesleyana, o método é parecido, conforme explicou o reverendo Jorge Luiz Perim, titular da igreja em Santo André, Vitória. Todos os anos, a igreja local elege uma comissão para organizar, relatar e fiscalizar as receitas da igreja. “A Metodista administra suas finanças através de juntas administrativas locais. Todos os recursos passam por contadores, que registram a movimentação financeira. A comissão produz relatórios mensais e anuais com prestação de contas e disponibiliza para todos os membros”, disse o reverendo.

De acordo com ele, no início do ano é feito um Plano de Contas Anual, com a previsão dos investimentos a serem feitos. “Nós trabalhamos com muitas metas. Esse ano, por exemplo, temos um alvo de ajudar na implantação de igrejas no norte do Estado. Todo mês enviamos verba para lá”, afirmou.
Para os líderes, são as igrejas que devem tomar a iniciativa de informar aos seus membros sobre a movimentação financeira. Porém, quando isso não acontece, estes têm a obrigação de procurar pela informação, defende o pastor Erasmo Vieira, da Igreja Batista Morada de Camburi, em Vitória. “Os membros precisam saber para onde está indo o dinheiro. Não é sábio apenas entregar o dízimo e deixar as coisas correrem. Se o membro não tem a informação de como está sendo investido o dinheiro, ele tem de tomar uma posição. Ou solicita uma auditoria interna ou sai desta igreja e procura outra, que aja com transparência”, enfatizou.
Pastor Erasmo informou que também em sua igreja há um Conselho, formado por 13 membros, responsável pelas questões que envolvem o orçamento. O dinheiro recolhido é para o pagamento de pastores e outros funcionários, construção e manutenção da igreja e ações sociais. O pastor não se envolve na questão financeira. “Assim como na igreja primitiva foram instituídos os diáconos para cuidarem da parte administrativa e social, para que os apóstolos se preocupassem apenas com a pregação do Evangelho, há em nossa igreja um grupo específico para cuidar da questão financeira, sem o envolvimento do pastor”.
O presbítero da Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo e consultor sênior do IEL-ES, Rômulo Oliveira Vargas, ressalta a importância das atitudes preventivas. “Entendo que os escândalos se devem a erros que as igrejas cometem desde o início de sua fundação. Como a estrutura, número de membros e valores de dízimos e ofertas crescem com o tempo, os erros podem tomar proporções vultuosas e gerar escândalos. Não creio que a maioria dos erros seja intencional, mas podem demonstrar portas abertas para desvios.”

Dízimos e legado
É ainda na escola dominical que se aprende que dízimos e ofertas são para o sustento da casa de Deus e para a expansão do Evangelho em todo o mundo. É com esse recurso que missionários são sustentados e projetos sociais são realizados. Somente os batistas brasileiros sustentam cerca de 1,2 mil missionários no mundo todo. Desses, aproximadamente 530 atuam no Brasil e há outros 40 em treinamento, segundo a coordenadora regional da Junta de Missões Nacionais da Convenção Batista Brasileira, Fabíola Molulo.
Em Vila Velha está um bom exemplo de instituição que conta com o apoio dos irmãos. Criada há 23 anos pela Igreja Presbiteriana e voltada para o atendimento de crianças em situação de vulnerabilidade social, a Associação Evangélica Pró-Meninos e Meninas de Rua (Assemer) atua com dois projetos: o Pão da Vida, de caráter preventivo e que atende a 50 crianças com esporte, música, reforço escolar e outras atividades, e a Casa de Passagem Maria da Penha Guzzo, que abriga 25 crianças encaminhadas pela Justiça, algumas em situação de adoção.
Cerca de 48 mil crianças já passaram pelos dois projetos. “Precisamos olhar e perceber que Deus nos chamou para fazer diferença na sociedade através da nossa vida. Muitas das crianças que passaram pelos projetos estão hoje na faculdade. É muito gratificante”, disse a administradora da instituição, Neuza Lima.
Na Serra, outro exemplo. A chácara de um casal metodista cedeu espaço para a construção, em 1997, da Associação Metodista de Amparo e Recuperação de Toxicômacos (Amart), que atua na recuperação de dependentes químicos e de suas famílias e já atendeu a mais de 1,5 mil homens.
A comunidade oferece, além da internação para dependentes, terapia, pastorado, assistência social e psicologia. O valor pago para o tratamento é simbólico, graças à ajuda financeira de várias igrejas. “Além disso, muitos irmãos organizam um bazar a cada dois meses para levantar fundos. Também doam alimentos, roupas e o trabalho voluntário. Toda a diretoria é voluntária, por isso é que não deixamos de atender”, afirmou um dos fundadores e diretores da Amart, Edson Santa Rita Rubim.
Além de sua atuação hoje, é inegável a contribuição de transformação e desenvolvimento que a igreja evangélica trouxe ao mundo ao longo de sua existência. “O Cristianismo tem contribuído indiscutivelmente com ações humanitárias, ideias de voluntariado e filantropia”, disse o professor de História do Cristianismo e diretor-geral da Faculdade Unida, Wanderley Rosa.
No entanto, ele cita que, com a chegada da ditadura militar ao Brasil, houve um “racha” nas igrejas e boa parte do ímpeto de engajamento social e do compromisso com valores éticos e morais foram deixados para trás por muitos segmentos evangélicos. Isso, para o professor, explica o início de muitos desvios que desembocam nos atuais escândalos.
“Na década de 60, falar de transformação social era sinônimo de ser preso, torturado e até morto. Por isso, muitos deixaram esse tema de lado. Boa parte da igreja optou pelo misticismo, ascetismo e transcendentalismo. Deveríamos entender que ser espiritual tem a ver com a humanidade e não com uma atitude afastada da sociedade. No momento que se opta por isso, abre-se espaço para deformações. O misticismo degringola para o charlatanismo e faz com que a igreja emposse um líder que não tem condições de liderar”, argumentou Wanderley. Ainda assim, com todas as distorções e imperfeições, Wanderley acredita na superação do corpo de Cristo.
A mesma opinião tem o reverendo Jorge. “A foto da igreja evangélica é muito mais bonita do que o quadro que estão pintando dela. O socorro social, sua contribuição, seus benefícios, são infinitamente maiores do que erros esporádicos”, defendeu.
Para o pastor Hernandes, a igreja ainda é o melhor lugar do mundo para se viver. “Não podemos jogar a criança fora com a água da bacia. Não podemos generalizar. Não é porque um membro da igreja caiu que toda a igreja está caída. A igreja evangélica trata de seus feridos, levanta a cabeça e continua seu ministério. Embora com falhas humanas, a igreja ainda é o melhor lugar do mundo para vivermos. Nossa fé não está colocada em homens, nem mesmo na instituição, mas em Deus. A solução não é falar mal da igreja e sair dela, mas buscar sua restauração. O mundo será impactado de duas formas pela igreja: quando ela está cheia do Espírito, proclamando o Evangelho com poder, e quando ela se arrepende de seus pecados e se volta para Deus, sabendo que Ele é rico em perdoar e tem prazer na misericórdia”, concluiu.

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