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quinta-feira, 18 abril 2024

Ética e Justiça no cotidiano: o problema dos dois pesos e duas medidas

O exercício da ética e da justiça no cotidiano exige que não se tenham dois pesos e duas medidas.

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Temos que avaliar uma conduta pelo seu conteúdo intrínseco, independentemente de quem a praticou ser nosso amigo ou adversário. Aquele de quem discordamos em tudo é titular de direitos tão legítimos e amplos quanto aqueles que pensam igual a nós.

Acompanhamos recentemente uma campanha dizendo que frases como as que o deputado Jair Bolsonaro proferiu estimulam o estupro. Não que eu concorde com o estilo dele ou com sua infeliz frase, mas convenhamos: nenhum estuprador está consultando as declarações de um parlamentar para decidir se delinque ou não.

Ao lado disso, analisar apenas o que Bolsonaro falou é meio fato, e justiça só se faz olhando o fato inteiro.  As informações às quais tive acesso dão conta de que o parlamentar disse o seguinte: “Há poucos dias, tu me chamou de estuprador, no Salão Verde, e eu falei que não ia estuprar você porque você não merece”. Eu, particularmente, acho deplorável um cidadão, ainda mais um parlamentar, dizer isso para uma mulher. No entanto, daí a querer sua cassação, existe um grande espaço, e digo o motivo.

Se a deputada chamou o deputado de “estuprador”, há que se admitir que a retorsão à ofensa seja igualmente deselegante. Estamos diante de uma ironia, grosseira sim, mas não de uma apologia ao estupro. Indo além, vi no Facebook um vídeo que apresenta “provas” de que Bolsonaro “agrediu” a deputada. Vendo o vídeo, fica evidente que ela foi em direção a ele, e ele tão somente impediu a aproximação física da deputada.

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Se alguém é objeto de agressões verbais, não podemos julgar apenas o que disse e ignorar o que a pessoa ouviu. Ao ser atacado verbalmente, poderia processar a deputada, mas parece que sabe que a maioria fala o que quer sem tanta censura. Outro caminho, previsto na lei, é a retorsão da ofensa. Talvez um juiz, como eu, pensasse em processos; um militar tende a atirar de volta. Aliás, no amor e na guerra, fala-se que “chumbo trocado não dói”. Ao menos, não deveria. No Parlamento, idem.

Citarei mais uma evidência de que estamos no país das duas medidas. Um professor de Filosofia da UFRJ, Paulo Ghiraldelli, disse para outra mulher, Rachel Sheherazade, o seguinte: “Votos para 2014: que a Rachel Sherazedo (sic) abrace, após ser estuprada, um tamanduá”. Isso não foi uma ironia, mas apologia direta de estupro direcionada a uma pessoa! Apesar de bem mais grave, o repúdio foi ínfimo em comparação ao que foi dirigido ao deputado. Existem estupros diferentes?

Claro que não. Eis um dos dramas do Brasil: dependendo de quem fala, e de quem é a vítima, as reações são diferentes. Anoto que ao ler as demais postagens do professor, não acreditei na (fraquíssima) versão de que foi hackeado. Então, fazer votos de que alguém seja estuprada, se a vítima for essa ou aquela, é menos grave? Não podemos ter um país onde as coisas valem não pelo seu conteúdo, mas por contra quem se realizam.

As regras legais, de cortesia, de ironia e retorsão a ofensas, devem valer para todos, sem distinção de raça, cor, orientação religiosa, sexual ou política. Como disse um senador já falecido: “Ética é ser a favor do certo mesmo quando ele nos prejudica e contra o errado mesmo quando ele nos favorece”.

Então, aponto e critico um problema real do nosso país: dois pesos, duas medidas. Não vou discutir neste momento qual deva ser o peso, ou a medida, mas friso que quando enfim os escolhermos, devem ser os mesmos para todos: para os da direita e para os da esquerda, para os pobres e para os ricos.

William Douglas

É juiz federal/RJ, professor universitário e escritor. Considerado o maior especialista em concursos pelas revistas Veja, Você S/A e Valor Econômico, possui mais de 1 milhão de livros vendidos e falou para mais de 1,6 milhão de pessoas. É um dos autores do best-seller “As 25 Leis Bíblicas do Sucesso”.

A matéria acima é uma republicação da Revista Comunhão. Fatos, comentários e opiniões contidos no texto se referem à época em que a matéria foi escrita.

 

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