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terça-feira, 19 março 2024

Desviados: onde estão aqueles irmãos que caminhavam conosco?

Desviados: onde estão aqueles irmãos que caminhavam conosco? - Foto: Reprodução
Desviados: onde estão aqueles irmãos que caminhavam conosco? - Foto: Reprodução

Não há uma única razão para o distanciamento de uma ovelha do rebanho, mas o afastamento começa com a perda do foco, perda do primeiro amor. Tirar os olhos de Deus faz com que os crentes passem a olhar para pessoas, líderes, e aí as frustrações e os enganos podem começar a ocorrer.

Em uma corrida, o grupo que sai do ponto zero normalmente não é o mesmo que chega ao destino final ou se é, chega em tempos diferentes, seja de minutos ou horas. Muitos atletas vão ficando pelo caminho, desgastados pelo cansaço, porque não têm resistência física, porque esqueceram a água, não se alimentaram corretamente antes da disputa, não usaram um calçado apropriado ou porque simplesmente não treinaram.

Muitas vezes, mesmo tendo pelo caminho equipes de apoio, incentivando a continuar, entregando água, batendo palmas pelo desempenho, alguns atletas não olham para os lados para receber a ajuda. Continuam lutando sozinhos e acabam parando metros à frente. Nem a água, de graça, pegam.

Transportando essa realidade para o contexto de nossas igrejas, vemos que não tem sido diferente. Muitos têm se desviado e estatísticas mostram dados assustadores. Apenas no Brasil, entre 30 milhões e 40 milhões de pessoas algum dia fizeram parte do rol de membros de uma igreja, mas se desviaram e hoje não estão em nenhuma denominação.

A informação é do pastor Sinfrônio Jardim Neto, que lidera o Ministério Jesus não Desistiu de Você, com sede em Belo Horizonte, Minas Gerais, e que tem como visão trabalhar com as igrejas a importância da reconquista dos irmãos desviados. Como em um exército, é preciso que alguns soldados estejam preparados e capacitados para entrar no campo de batalha e resgatar os que se feriram.

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“Existe aquele que se desvia porque ouviu um evangelho falso, que fala de Jesus, mas não ensina o que Jesus ensinou. Apresentam Jesus para eles como se fosse uma mina de ouro. Não disseram que é necessário largar o pecado, renunciar os prazeres pecaminosos da carne e nem disseram que mesmo sendo cristãos ainda poderemos passar por provações. Existem muitos outros motivos que têm levado crentes ao esfriamento espiritual, tais como: profecias falsas, pecados sem arrependimento, crentes excluídos por pequenas coisas, falta de perdão, brigas entre irmãos, escândalos de líderes, pastores inconsequentes”, afirmou o pastor Sinfrônio, que há décadas faz seminários e cruzadas sobre desviados.

Aconselhamento

No livro “Aconselhamento cristão em tempos de crise”, o pastor João Falcão Sobrinho faz uma análise de diversas situações que podem levar uma pessoa para fora do convívio da igreja, seja drogas, tabagismo, distúrbios da sexualidade, problemas na família, enfermidade, dificuldades de relacionamento. Logo nas primeiras páginas, ele faz uma análise do que vem acontecendo no contexto evangélico:

Desviados: onde estão aqueles irmãos que caminhavam conosco?
Autor de “Aconselhamento Cristão em Tempos de Crise”

“Se compararmos o número de pessoas que se declaram evangélicas nos dados do censo do IBGE com as estatísticas das igrejas, veremos que a maior denominação evangélica do Brasil é a ‘Igreja dos Excluídos’. Há uma multidão de ex-membros de igrejas evangélicas, inúmeros deles escorraçados pela idiossincrasia de líderes autocráticos, outros desencantados com a falta de consistência entre a pregação evangélica e a ética bíblica, outros injustiçados pelo excesso de zelo da disciplina sem amor.” Ao final da introdução, ele faz uma pergunta: “Como recuperá-los para a comunhão das igrejas, inclusive levando muitos deles a terem uma real experiência de novo nascimento em Cristo?”.

Um desvio monstruoso

  • Há hoje, apenas no Brasil, entre 30 milhões e 40 milhões de pessoas que um dia freqüentaram alguma igreja evangélica.
  • Uma igreja de 10 anos que manteve média de 200 membros viu passar por seu rol o dobro desse número. Isto é, 400 pessoas que passaram por essa igreja estão desviadas hoje.
  • A porcentagem de desviados que retorna à igreja não passa de 10% no Brasil.
  • Entre 60% e 70% dos desviados não receberam qualquer visita de líderes ou membros quando decidiram sair da igreja.
  • Entre 40% e 30% receberam de uma a três visitas, que se revelaram na maioria das vezes de cobrança ou condenação.
  • De cada 10 andarilhos, três deles freqüentaram alguma igreja um dia.
  • A maioria dos desviados (acima de 50%) é afetada pelo ressentimento com sua liderança.

Fontes: Luiz Montanini e Sinfrônio Jardim Neto

Igrejas não têm ministério de reconciliação

É essa a triste realidade de milhares de igrejas evangélicas pelo Brasil e em mais de 50% delas, segundo dados do Ministério Jesus não Desistiu de Você, não há sequer um planejamento sendo estudado para conseguir reverter esse quadro, trazendo de volta aqueles que se afastaram. “São poucas as igrejas que têm se preocupado em voltar para apanhar a ovelha perdida. Na maioria das vezes ocorre é um total abandono aos que se desviam. Em alguns casos os membros são orientados a nem mesmo saudá-los, evitando todo e qualquer relacionamento com os mesmos”, disse o pastor Aroldo Augusto Brandão, superintendente Distrital da Igreja Metodista Wesleyana na Grande Vitória.

Muitos acham que não vale a pena voltar e pregar a quem já ouviu o evangelho. Entretanto, esse pensamento não condiz com que a Bíblia ensina. Basta meditarmos na parábola da centésima ovelha, do filho pródigo, da dracma perdida e entenderemos que é a vontade de Deus que pratiquemos o ministério da reconciliação.

“Afinal, Jesus nunca iria desistir de nenhum de nós”, ressaltou o pastor Sinfrônio. No livro “Onde está o seu irmão”, escrito por ele, há destacado alguns dos argumentos usados pelos que continuam a fazer parte do rebanho, mas que não querem ir buscar uma ovelha que se desgarrou: “Não vou pregar a quem já ouviu. Não vou jogar pérolas aos porcos. Não tenho esse dom. Saiu porque não era dos nossos. Perdi um, mas vou ganhar 10.” Aliás, esse último ponto é um dos argumentos mais verificados nas conversas entre os cristãos.

“Ganhar almas não nos dá o direito de abandonar outras”. Pastor Sinfrônio Jardim Neto

“Hoje temos milhões de pessoas que frequentaram alguma igreja evangélica e temos percebido tamanha perda. Não é normal perder almas. Uma igreja de 10 anos que manteve média de 200 membros viu passar por seu rol o dobro desse número. Então, 400 pessoas que passaram por essa igreja estão desviadas hoje. Se temos o dobro do lado de fora é porque já perdemos muito mais ovelhas do que já imaginávamos. Elas estão morrendo e indo para o inferno porque nossos braços continuam cruzados e nossos corações endurecidos pela falta de amor”, afirmou o pastor.

No site de relacionamentos Orkut, há dezenas de páginas que tratam sobre desviados de igrejas evangélicas, mas a grande maioria é para criticar o posicionamento dos cristãos. Falam sobre alienação, proibições e dízimo. Em uma delas, o criador da página mostra a sua indignação com a igreja. “Detesto os desprezos que os cristãos evangélicos fazem com os afastados da fé A maioria não dá valor as ovelhas perdidas, mas Jesus nos ama porque o seu amor foi dado a todos. Que isso sirva de lição, pois eu sou uma vítima de tal desprezo.”

Retiro e evento para integrar

Para trazer de volta aqueles que se afastaram algum dia, a Igreja Batista em Joana D’Arc, Vitória, realiza trimestralmente retiros de integração voltados para jovens, adolescentes, crianças e adultos. Uma outra estratégia da igreja é dividir o rol de membros com os diáconos, que passam a ser os responsáveis por acompanhar aquelas pessoas. Além disso, os líderes da juventude ficam atentos para ver que algum adolescente ou jovem está se afastando.

“O principal motivo do afastamento que temos visto é por não conseguir se integrar e então trabalhamos por grupos de afinidades. Na nossa igreja, a pessoa chega e logo é encaminhada a um grupo que gosta de trabalhar. Com nossos retiros, verificamos que as pessoas que se desviaram voltam pelo compartilhar de vida e é preciso criar um círculo de amizade e de atividade. A igreja tem que fazer a sua parte”, detalhou Ana Carolina Lopes Lima, educadora cristã.

A Igreja Batista em Joana D’Arc é uma das dezenas que são alimentadas com cartas encaminhadas pela equipe de coordenação do Jesus Vida Verão, evento realizado nos meses de janeiro na areia da Praia da Costa, em Vila Velha (ES). A cada noite de apresentação musical, um grupo de intercessores fica orando pelas pessoas que foram assistir e conselheiros se espalham pela multidão. Após a mensagem proferida por um pastor, os conselheiros observam aqueles que se converteram ou estão se reconciliando e os encaminham para a tenda do aconselhamento, onde vão receber um Novo Testamento, um folheto e um livreto ensinando os primeiros passos na vida com Cristo.

Desviados: onde estão aqueles irmãos que caminhavam conosco?
Anualmente o Jesus Vida Verão atrai milhares de pessoas na praia

Marlúcia de Souza Thompson, ministra de Educação Cristã da Primeira Igreja Batista da Praia da Costa, em Vila Velha, e uma das líderes do projeto Jesus Vida Verão, explica que na tenda do aconselhamento é feito um cadastro da pessoa que aceitou o desafio, seja para reconciliação ou decisão – a maioria são jovens. De posse desses dados é que igrejas, como a de Joana D’arc, são contatadas. “Nós encaminhamos cartas com os nomes das pessoas que se reconciliaram ou se converterem para as igrejas mais perto de onde moram. Muitos questionam porque não chamamos todas elas para a nossa igreja, mas não é nossa intenção ficamos inchando o templo. Queremos abençoar o Reino e mostramos a esses desviados que uma igreja perto dele está de portas abertas para recebê-lo”, contou Marlúcia.

Uma das experiências vividas em razão desse trabalho do Jesus Vida Verão é a de uma jovem de 24 anos, que se desviou de uma denominação quando tinha 16 anos porque na véspera de seu irmão se tornar diácono, ele sofreu um infarto e morreu. Desesperada, ela ficou revoltada, saiu do convívio da igreja e se afastou do Senhor. O resultado foi que em pouco tempo começou a usar drogas e se viciou em crack.

“Só que ela foi ao Jesus Vida Verão deste ano e por cinco noites seguidas do evento foi até a tenda do aconselhamento. Até brigar com um segurança ela brigou porque estava droga, mas queria conversar com alguém sobre o amor de Jesus. Nós começamos um trabalho com ela e há mais de um mês está sem usar drogas. Essa jovem nos conta que quando ela se desviou, alguns de seus amigos da igreja tentaram se aproximar, mas ela já estava envolvida no vício e não permitia. São experiências assim que temos vivido. Muitos nos relatam que deixaram a igreja por causa de proibições e adulterações”, acrescentou a ministra de Educação Cristã.

O número de reconciliações no Jesus Vida Verão deste ano, na Praia da Costa, superou o de conversões. Foram 293 pessoas dizendo que queriam voltar para uma igreja e 208 afirmando aceitarem Jesus como Salvador. No mesmo evento, mas na Serra, foram 172 conversões e 165 reconciliações.

Amor aos desviados

Amor, carinho e atenção devem ser palavras-chaves nas igrejas quando o assunto é buscar aqueles que se desviaram. Cabe aos pastores ter em uma de suas mãos uma vara, para disciplinar a ovelha que peca, tendo como objetivo corrigi-la e reconduzi-la para o bom caminho, mas ter na outra mão um cajado, para socorrê-la quando cair no abismo do pecado.

“Creio que o pastor que conseguir disciplinar suas ovelhas como pai amoroso, que ao mesmo tempo corrige, mas também mostra amor e misericórdia, conseguirá impedir a perda de muitas vidas. Também é necessário trabalhar para promover a unidade entre os irmãos.

Quando existe vínculo de amor e amizade entre os crentes eles estarão protegendo uns aos outros. O desviado precisa saber que Deus o perdoa, mas é importante para ele saber que a igreja também se importa com ele e quer recebê-lo novamente. Existem casos de irmãos que só não voltam à congregação porque acham que a igreja não irá recebê-los mais. É muito importante a igreja se mobilizar para visitar esses irmãos”, orientou o pastor Sinfrônio Jardim Neto.

Como combatentes de uma grande batalha, sabemos que pertencemos a um exército e que cada um tem papel importante para conquistar a vitória (já ganha!). Se um se desviar, precisamos lembrar que o inimigo anda ao nosso derredor procurando a quem possa tragar (I Pedro 5:8), mas que se nos sujeitarmos a Deus, o Diabo fugirá de nós (Tiago 4:7). Jesus Cristo, através de parábolas, disse que há grande júbilo no céu quando um pecador se arrepende. “Digo-vos que assim haverá alegria no céu por um pecador que se arrepende, mais do que por 99 justos que não necessitam de arrependimento” (Lucas 15:7). Como igreja, devemos nos mobilizar para resgatar os que se cansaram da caminhada, que se apoiaram nos mais fracos e por isso caíram ou que se decepcionaram com algo e pararam de andar. Somos um corpo e cada um tem uma função. Com amor, é preciso ir ao encontro dos que se desviaram, para que eles coloquem novamente a armadura, o capacete, peguem a espada e voltem a fazer parte do exército comandado por Jesus Cristo.

Faça uma análise

Ainda há tempo de mudar o triste quadro de muitas igrejas, que têm o número de ex-membros muito maior que o de atuais membros. Para isso, é preciso rever como foram os últimos cinco anos de sua igreja e fazer as seguintes perguntas:

  • Quando foi que minha igreja fez algum projeto nestes anos que se passaram para buscar os desviados?
  • Quando foi que elaboramos um plano bem organizado para visitá-los e oferece-lhes uma nova oportunidade?
  • Quanto tempo gastamos orando por eles?
  • Quantos desviados voltaram nestes cinco anos?

Uma atitude possível para conseguir reverter esse quadro é analisar que muitas igrejas passam anos envolvidas em muitas atividades, mas nunca pensaram na possibilidade de reconquistar os membros que se desviaram. É preciso tomar uma atitude firme e colocar em prática o amor que Jesus nos ensinou, indo em busca dos que caíram.

Esta matéria foi publicada originalmente em 19 de janeiro de 2018, no portal da Revista Comunhão. As pessoas ouvidas e/ou citadas podem não estar mais nas situações, cargos e instituições que ocupavam na época, assim como suas opiniões e os fatos narrados referem-se às circunstâncias e ao contexto de então.

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