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quinta-feira, 25 abril 2024

Comunhão entrevista Nelson Bomilcar

Com o intuito de compreender o fenômeno de quem deixa as igrejas, além de resgatar a importância da comunidade religiosa na vida dos cristãos, Nelson Bomilcar escreveu o livro “Os sem-igreja – Buscando caminhos de esperança na experiência comunitária”, publicado pela editora Mundo Cristão.  Foram as queixas constantes de pessoas que se definem como “sem-igreja” que inspiraram Bomilcar, pastor e músico (compositor de centenas de músicas, diversas em parceria com Guilherme Kerr Neto, Sérgio Pimenta, Jorge Rehder e Daniel Maia), a escrever a obra, que apresenta um diagnóstico da igreja evangélica e a necessidade do resgate de suas características mais centrais. A partir das inúmeras experiências que vivenciou durante suas viagens pelo país, Bomilcar reuniu no livro o que é fundamentado biblicamente. E foi sobre esse assunto que girou a conversa com os jornalistas de Comunhão.

Como surgiu a idéia de escrever o livro? Essas são experiências pessoais?
Eu me vejo dentro e fora do livro todo o tempo. Depois de nove anos de estrada servindo a diversas regiões do Brasil, falando para jovens, músicos, artistas, missionários, pastores e tendo ajudado pelo menos cinco igrejas em comunidades que estavam em crise, passei a perceber que minha agenda estava cada vez mais repleta de gente com dor, sofrendo por não estar mais na comunidade religiosa, ou por não se sentir mais parte da comunidade da fé. Essas pessoas não estavam apenas isoladas de seus grupos religiosos; eram pessoas que estavam dentro da instituição religiosa, mas que entendi que estavam “sem igreja”. O livro é uma tentativa de redefinir, de revisar a nossa compreensão do que é ser igreja.

Em sua percepção, quem são essas pessoas?
Eu realmente me atrevi a classificar quem são os sem-igreja: primeiramente, aqueles que se assumem sem-igreja, sem vínculo, parcerias ou compromissos institucionais com comunidades e denominações. Em segundo lugar, são os que se desencantaram com a instituição formal religiosa e mantêm uma distância preventiva, moderada ou acintosamente assumida. Tornaram-se apenas usuários em alguns momentos, participando, com algum interesse, de congressos, projetos ou encontros. Um terceiro grupo são os que estão arraigados na igreja institucional, participando de seus programas e arrolados como membros e até em lideranças eclesiásticas ou missionárias. Depois, há os que se recolheram em grupos pequenos, que se reúnem informalmente em casas, escritórios, salões alugados, parques ou escolas. Essas pessoas tentam não dar uma formatação organizacional. Mas, na maioria das vezes, de alguma maneira, acabam se agrupando em algum local, com hora marcada e com alguma liderança ou mentores. Um outro grupo, que eu creio que a Marília Camargo César explorou bastante no livro “Feridos em nome de Deus”, constitui-se daqueles que caminharam por anos em congregações locais, que se envolveram em projetos missionários e viveram decepções, sofrendo diversos tipos de abusos relacionais e institucionais, principalmente por parte da liderança, que confundiu autoridade com poder. Existe ainda uma sexta categoria, que são os cristãos que acompanham mensagens e reflexões pela internet. Carecem de conexões mais profundas, de relacionamentos, não desejam a comunhão, não querem compromisso de qualquer tipo, vivem sem a experiência comunitária e não desejam ser “vidraça” ou alvo de críticas, semelhantes às que fazem em seus artigos, posts e blogs. Por fim, há a categoria de pessoas
que estão na instituição, mas que não passou por uma real experiência de conversão, de mudança de mente (metanoia), e não conhece a missão da igreja, a missão do Reino.

Essas pessoas hoje se assumem?
Antes, era mais difícil haver essa identificação, mas o último Censo abriu uma vertente que facilita esse trabalho. Na pesquisa de 2010, quando a pessoa ia fazer sua opção religiosa, podia escolher entre se dizer cristão, evangélico ou evangélico não-praticante. No entanto, o que percebo é que essas pessoas que se definem como evangélicos não-praticantes, ou sem-igreja, na verdade gostariam de continuar na comunidade religiosa.

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Você começa seu livro declarando que a pessoa não vai à igreja no final de semana, não sente falta e ainda se sente suprido com a opção de fazer parte da “Comunidade Virtual Webiana”. Pode falar sobre isso?
Sim. Hoje muitas pessoas acreditam que não precisam mais frequentar os templos religiosos, que basta acompanhar os cultos pela internet. A grande questão são os templos gigantes, que abrigam milhares de pessoas, mas onde não há o contato, o abraço, onde ninguém sabe o nome, as necessidades do outro. Então, a pessoa acaba optando pelo conforto de ficar em casa e acompanhar os cultos pela internet. No entanto, não é possível viver plenamente essa experiência de ser igreja sozinho, sem ser comunitário.

Qual seria, de fato, a proposta do livro?
É justamente isso: trazer essa avaliação isenta, olhando os dois lados com misericórdia e respeitando esse segmento chamado de “sem-igreja”, muitas vezes de maneira pejorativa, mas que não deve ser assim. A proposta de visão de igreja que a gente pode compreender na Bíblia é que somos chamados para uma experiência solidária, e não solitária. A proposta cristã é para sermos uma família, e não é possível ser família sozinho. Ser igreja sempre será ser dois ou três ou mais reunidos em nome do Senhor.

Os “sem-igreja” são criticados por aqueles que pertencem a grandes denominações?
Sim. Recebem essa crítica geralmente de membros de igrejas históricas, tanto pentecostais quanto não pentecostais. Geralmente, a primeira coisa que eles têm que responder quando somem das reuniões é “em que igreja você está?”, antes mesmo de perguntarem “por que você está sumido da igreja?”. Geralmente, quem faz esta pergunta é alguém que exerce funções de liderança na instituição religiosa, e isso acaba afastando ainda mais as pessoas.

Antigamente, as pessoas valorizavam manterem-se ligadas à instituição religiosa. Hoje, parece que elas estão se cansando mais rápido ou mudando de opção por qualquer motivo. Por que isso acontece?
Muitos dos “sem-igreja” são pessoas que serviram, e muito, à comunidade religiosa, mas desanimaram por algum desafeto ou mesmo por conta da competitividade que há nesse meio hoje. As pessoas estão se cansando mais rapidamente, e não querem ter problemas além dos que já possuem na vida profissional e pessoal. Isso faz com que cheguem num estado de ferimento muito mais cedo. Mas vale a pena continuar.

Tem um capítulo do livro em que você fala que a pessoa pode ser comunidade sem ter senso comunitário. Como seria isso?
Realmente, eu exploro um pouco essa questão. Eu posso estar num grupo pequeno, mas que não tem o senso comunitário de doação, de partilhar vida, de fazer missão. E posso encontrar estruturas maiores onde as pessoas tenham esse senso comunitário, sim; se reúnem para servir às pessoas, para dar respostas aos gritos de socorro de quem está sem esperança, sendo sal e luz de uma maneira extremamente positiva.

Por que a igreja invisível não nos ajuda a ter responsabilidade para fazer a obra?
As pessoas precisam perder esse conceito de “eu vou lá na igreja hoje”. Você não vai à igreja; você é a igreja. É a congregação que se reúne em um lugar. Agora, se a pessoa entrou nessa de mercado e acha que a instituição tem que prestar serviços a ela, então já não entendeu o que é ser igreja. Estamos lá para tentar servir e fazer aquilo que o Senhor Jesus nos deu como corpo, como expressão visível. É por isso que a igreja invisível não nos ajuda a personalizar e nos dar responsabilidade para fazer. Temos que procurar, de alguma maneira, nos entender como corpo, com todas as suas dores e incoerências. E temos que continuar sendo igreja, mas igreja do Reino, que vive os valores do Reino, a mensagem do Reino, que prega o evangelho do Reino. Tem instituição que pode ser religiosa, mas que não prega a mensagem do Reino.

Hoje os cultos fazem com que as pessoas se sintam extasiadas, mas ao saírem de lá é como se nada tivesse acontecido. Também, a igreja se tornou um local para encontro social. Como você vê essa situação?
Hoje os cultos estão tendo um apelo de espetáculo, para que a pessoa saia de lá se sentindo diferente, no entanto, pouco tempo depois isso passa. Mas a pressão está no mercado. A mensagem que eu prego agora, daqui a meia hora vai estar sendo vendida lá fora. O cantor tem que chamar mais a atenção para atrair mais pessoas. Nós não vivemos em função disso, mas isso produz muitos dos “sem-igreja”. Podemos citar como exemplo alguns cantores que transformam o púlpito em palco e só ficam cantando para “tirar o pé do chão”. Quando o jovem sai da igreja, está até cansado de tanto pular. Na verdade, isso é uma desculpa, pois o cara queria ir a uma balada, mas, como é da igreja, não pode. Então, transforma-se o culto em diversão. Para mim, além dos líderes que não têm integridade e não pregam mais a Palavra, a igreja foi transformada em mercado.

Alguns grupos podem ter dificuldade na experiência comunitária? Quais seriam elas?
Nós temos uma dificuldade, hoje em dia, de lidar com o ser mútuo; temos dificuldade de lidar com o seu irmão ser superior a você mesmo; há dificuldade de lidar com qualquer tipo de manifestação de autoridade. A maioria dos “sem-igreja” não quer mais essa experiência de submissão mútua porque, quando a ela se submeteram de coração aberto, foram manipulados, e isso foi traumático. É por isso que passo parte do meu tempo falando para pastores e líderes: “o rebanho é do Senhor. Nós não somos donos da visão nem do rebanho, que é de Deus. Temos que pastorear este rebanho com as recomendações bíblicas”.

Acredita que a igreja foi “contaminada” pela teologia da prosperidade?
Temos muitos líderes religiosos por aí que pregam a bênção do carro novo, da casa própria, do enriquecimento, e isso acaba, meses depois, transformando a pessoa em mais um “sem-igreja”. E são pastores que atraem multidões. Eles ainda prometem a cura em nome de Jesus. Quem são eles para curar em nome de Deus? Mas as pessoas acreditam, pois estão sedentas de esperança.

Existe alguma fórmula para a pessoa evitar esses desgastes/enganos na igreja?
Sim. É importante não esquecer o caminho do secreto do quarto, meditar na Palavra de Deus e estar na igreja para servir, e não para ser servido.

Então, para terminar, nessa nova fase, com o lançamento do livro, você espera que haja mudança no comportamento dos cristãos no Brasil?
Não creio que vá melhorar o comportamento dessas pessoas, mas acredito que Deus está interessando em preservar a sua igreja, e este pode ser um caminho.

 

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