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quarta-feira, 24 abril 2024

Nancy Dusilek e as mulheres sem nome

Nancy Gonçalves Dusilek

Viúva de pastor, mãe de pastor e sogra de filha de pastor, Nancy Dusilek é uma das lideranças femininas evangélicas mais respeitadas do Brasil. Autora do livro “Mulher Sem Nome”, em que fala sobre a vida das esposas desses sacerdotes, e de outros livros ligados às mulheres e às lideranças, ela foi, mesmo não sendo pastora, a primeira vice-presidente da Convenção Batista Brasileira, a primeira vice-presidente da Igreja Batista Itacuruçá, no Rio de Janeiro, integrante do Conselho Administrativo da Convenção Batista Carioca, presidente da União Feminina Missionária Batista Carioca e membro da Academia Evangélica de Letras do Brasil. Foi também redatora por 11 anos da revista Mulher Cristã Hoje.

Além de uma vida dedicada ao Evangelho por ter nascido em lar cristão, a senhora também foi esposa de pastor; seu marido teve um infarto. Conte um pouco dessa história e como tratou a perda do seu marido, a viuvez.
Meu marido trabalhava na Unigranrio, uma universidade em Caxias, do Rio Grande do Sul, organizada por um pastor e que tem um seminário teológico. E houve um problema administrativo; ele estava defendendo a instituição.

No momento da defesa, se empolgou e teve um infarto fulminante. Já caiu morto, e ainda bem que eu não vi. Sérgio, meu filho mais velho, já era pastor; minha filha, Heloísa, já estava formada. Vai completar oito anos agora. É complicado. Depois de quase 40 anos juntos, ficar sozinha não foi fácil, mas eu entendo que Deus é meu marido, no sentido de proteção e de amparo, assim como diz o profeta Isaías. Tento fazer outras coisas para não ficar lamentando e lamuriando o tempo todo. Eu tenho que olhar para a frente, porque se não fosse ele, seria eu. A morte é a única coisa certa na vida.

O seu livro “Mulher Sem Nome” trata sobre as esposas de pastores. É difícil ser esposa de pastor? Quais os dilemas vividos e como lidar com isso?

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Nancy Dusilek e as mulheres sem nome
Google Imagens

Eu estava numa reunião no final dos anos 80 do conselho da Convenção Batista Brasileira no Rio de Janeiro, e foi lida uma ata da sessão anterior que dizia sobre a nomeação de um pastor fulano de tal para tal país e sua esposa. Não dizia o nome dela. Eu pensei: Ué, que negócio é esse? Como é que ela fez o passaporte? Não tem nome? Esposa do fulano de tal?

Assim nasceu a ideia do livro “Mulher sem Nome”. Os filhos, então, nem se fala, estes é que não têm nome mesmo.

Mas eu sempre curti ser esposa de pastor. Acho que por isso eu produzi o livro, porque acho uma honra. Para mim, Deus chama um homem para o ministério pastoral, e Ele escolhe a gente entre as mulheres para ser acompanhante de suporte para que o ministério seja cumprido. Me senti privilegiada por estar ao lado de um homem vocacionado.

E quando fiquei grávida, há 45 anos, eu disse ao Senhor e não falei com ninguém, nem com meu marido, que se fosse menino eu gostaria que ele fosse pastor. E nunca abri minha boca, era um segredo entre mim e Deus.

Quando Sérgio estava no segundo ano da faculdade de Ciências Contábeis, chegou em casa falando comigo e com meu marido que iria deixar a faculdade para estudar no seminário. Eu disse que não. Que ele terminasse a faculdade e depois fosse para o seminário. Para mim isso é fundamental. E assim ele fez. Quando foi ordenado pastor, eu verbalizei pela primeira vez, pedi para falar e contei para todos, inclusive para ele e o pai, que não sabiam até então, que eu o dediquei ao Senhor e que pedi para que se tornasse pastor.

E no momento exato da ordenação dele, senti meu ventre se mexendo, assim como quando meu filho estava lá. Foi emocionante! Então, me sinto muito feliz por ser esposa de pastor, mãe de pastor casado com uma filha de pastor e assim, não sei o que vem pela frente (risos).

Entre os dilemas, a mulher de pastor é uma mulher só, porque não tem amigos. As ovelhas não podem ser suas amigas, você não pode dizer que teve um problema com o marido e que ficou com raiva dele a uma irmãzinha da igreja. Você não tem com quem compartilhar algumas coisas, intimidades. Tem que ter cuidado com quem a gente escolhe para ser confidente. Eu aconselho que seja outra esposa de pastor, debaixo de muita oração.

Hoje eu tenho uma amiga que tem algumas coisas que não fala nem mesmo com o marido, mas conversa comigo. Isso depois de mais de 30 anos de amizade. Hoje temos 40 anos juntas, trocando figurinhas. É uma amizade muito especial!

Mulher de pastor é uma pessoa que precisa de alguém, porque é ovelha sem pastor. Todo mundo, quando tem um problema, vai até o pastor para receber uma palavra. Quando ela tem problema, como vai dividir? Ele também tem dificuldade de dar uma palavra pastoral, porque afinal de contas está falando com a esposa ou com a ovelha? Fica difícil para ele, é complexo.

Eu faço uma brincadeira que o pastor é bígamo, tem duas esposas, a física e a igreja, porque precisa dividir o tempo dele. E a gente precisa ter um casamento muito sólido, muito bem-feito, para não ter ciúme da igreja. E o marido deve ter muita competência e discernimento para não se dedicar demais à igreja e esquecer a família, que é ganhar o mundo e perder a alma. É a interpretação que eu faço no meu livro. Você quer ganhar todo mundo e perder justamente o essencial, que é a família, a mulher, os filhos, a comunhão? Dos dois lados, ele tem que ter cuidado.

E não aconselho mulher nenhuma a procurar outro pastor para se aconselhar. De preferência, procure outra mulher de pastor para desabafar quando necessário, mesmo que não seja da mesma denominação, mas que você tenha empatia e que seja resposta de oração. Porque quem entende mulher é outra mulher, homem não entende mulher.

Como se descobrem líderes? Como enxergar que alguém é vocacionado para liderança?
A gente já percebe isso desde criança. Eu tenho um casal de filhos e imediatamente percebi quem mandava em quem. É muito interessante. Quando você está na classe de crianças, é perceptível quem é líder nato. Mas tem quem recebe ensino e se desenvolve.

Com 7 anos, eu era presidente da Sociedade de Crianças. Isso me entusiasmou, fui sempre trabalhando na igreja, foi nascendo a vontade de escrever e hoje estamos nisso aí.

E como capacitá-los? Mães podem trabalhar isso no filho?
Às vezes existe abuso de liderança, quando um manda muito no outro, um espanca o outro; porque irmãos, quanto mais se amam, mais brigam. Mas briga de irmãos é saudável, porque é questão de delimitação de espaços.

Os pais precisam ter cuidado para um não abusar do outro e ensinar que isso é uma coisa boa que Deus deu, mas é necessário saber usar para abençoar os outros. Ainda mais nós, que temos formação cristã.

Minha filha, aos 8 anos, teve um problema na escola e foi para a diretoria reclamar da professora. Fiquei quase doida quando soube. Sentei com ela para conversar e vi até onde ela tinha razão, mas ela é uma líder e tentei não podar isso. Educar sem destruir a vocação. Aliás, os dois são líderes. Numa casa com quatro líderes como a minha, não é fácil, mas deu para estabelecer os limites de cada um.

Na igreja temos que analisar muito quem escolhemos para liderar. Tem que olhar a vida da pessoa, porque vemos muito no nosso meio pessoas com carisma, mas sem caráter. Compram a gente pelo discurso, mas a vida não condiz com o que estão falando.

Acho que qualquer liderança na igreja, de pequeno até adulto, deve ter cuidado para escolher quem capacitar. Não é apenas ter o dom da liderança e de captar os outros, mas uma pessoa que tenha uma vida que possa ser espelho para os seus liderados.

Aí o pastor tem que estar de olho; isso em questão de pequenos grupos, de grandes grupos, de criança, de adultos, de adolescentes, de jovens, não interessa, o líder tem que ser um referencial.

O que tem acontecido muitas vezes é que líderes escolhem outros líderes fracos porque têm medo de perder o poder. Isso é uma crítica minha. Alguns se cercam de pessoas menos capacitadas para se manter no poder e alguns com menos capacidade se mantêm, porque dá status. É isso que tenho visto nas minhas décadas vencidas e que me ensinaram algumas coisas.

Como avalia a forma que tem sido vista a liderança feminina? Existe diferença entre lideranças masculina e feminina?
No meu livro mostro essa diferença. Os homens são diferentes na maneira de liderar, mas isso é cultural. Por exemplo, quando você dá uma bola para um menino brincar, se ele gostou dos colegas, fica jogando; senão, pega a bola e vai embora para casa. Ou você dá um carrinho, e ele fica o tempo inteiro brincando, isolado.

Já a menina, se você dá uma boneca, uma cozinha, ela tem que chamar as amigas para brincar. É mais cooperativa, sabe dividir tarefas; e o homem mais isolado, quer assumir tudo. Isso não quer dizer que seja certo ou errado, é apenas característica. Na igreja precisamos das duas lideranças, da isolada e da mais interativa, não vejo problema nenhum nisso.

E as pastoras? De que forma devem se impor como uma liderança em um meio até pouco tempo totalmente masculino?
Eu entendo que Deus é livre e chama quem Ele quer. Se Deus chama o homem ou ele se acha chamado, a gente tem que acolher porque ele homem?

Quando uma mulher é realmente chamada, fazemos questionamentos. Porque é mulher, a gente discrimina. Mas eu entendo que, se Deus chamou uma mulher, Ele vai capacitá-la.

Quem é pastora tem que tomar muito cuidado com o modo como exerce seu ministério, para não tomar a forma masculina. Tem que ser como mulher chamada de Deus, não se entregar à discriminação.

A questão da submissão da mulher ao marido na vida conjugal não influencia essa visão?
Eu fui redatora de uma revista, e um senhor de Brasília escreveu os sete “comos” de Efésios 6. A comparação é feita entre Cristo e a Igreja. Meu marido me ama como Cristo ama a Igreja; qual é o problema de ser submissa? O problema da submissão é quando o cara é carrasco, porque o modelo tem que ser o de Jesus.

Agora, o exercício de pastora é uma coisa, a função de esposa é outra. São duas coisas distintas. É a mesma coisa de uma promotora pública, ou uma juíza federal, ou uma presidente de um Tribunal, como já tivemos.

Quando chega em casa, ela vai mandar no marido? Acho que a mulher sabe separar as duas coisas. Na função de pastora, ela é pastora; na função de esposa, ela é esposa. Eu não seria pastora, defendo a ideia, mas não tenho esse desejo (risos).

Como fazer para conseguir lidar com tantas cobranças que são atribuídas às mulheres hoje em dia?
Eu pergunto sempre aos pastores se eles imaginam o que aconteceria caso as mulheres façam greve nas igrejas. Porque na realidade quem leva as igrejas são as mulheres. Elas veem os detalhes, elas estão ali sempre, estão em maior número. São fundamentais. A mulher tem capacidade de fazer mil coisas ao mesmo tempo, uma habilidade que Deus nos deu, penso, por conta da maternidade. Mas acho que precisamos ter cuidado primeiro com nossa parte emocional. Eu sou líder porque sinto Deus me colocando naquele lugar, tenho preparo para isso ou sou porque quero aparecer, porque quero ter nome? Qual é a minha motivação maior?

Vemos líderes que querem apenas estar no lugar maior e não querem sair do pedestal. Mas entendo que temos capacidade, como mulheres, de harmonizar.

Quando temos filhos pequenos, para mim a prioridade são eles. Esse ponto é inegociável, precisamos dar atenção. E na adolescência, que eu acho que é fase mais gostosa, porque eles abrem a janela do mundo para a gente, que não enxergamos quando são pequenos. É a forma de ver como o mundo está, porque eles trazem para a gente as informações quando deixamos a porta aberta para trocar ideias. Depois, eles crescem, vão embora, e a gente fica sozinho.

Então, temos que estabelecer prioridades nas diversas fases da nossa vida. Acho que temos que ter sabedoria, que é algo que não se aprende na escola, só mesmo observando e orando, que é fundamental para ter orientação de Deus e não se arrepender depois.

Dentro da sua visão de liderança feminina, como é delineado o papel da mulher na família? Então ultrapassamos a linha do liderar e organizar a casa, mas como conciliar?
O papel da mulher de organizar a casa não mudou. Mesmo que você tenha um marido que a ajude, porque hoje em dia os homens mais jovens têm assumido esse papel, a casa ainda é da mulher.

Quando você entra numa casa, vê que tipo de mulher mora ali, porque marido, nesse caso, é bom para empurrar os móveis. Ele vai empurrando onde a esposa diz que quer. Se a mulher estiver de bem com ela mesma, a casa se torna agradável, um lugar em que a família gosta de ficar. Você entra e se sente bem. Mas quando a mulher está de mal consigo, você tem vontade de virar as costas e ir embora. Eu costumo brincar que há casas em que a gente entra e pensa que o caminhão de mudanças está do lado de fora, porque está sempre tudo tumultuado, fora do lugar. Eu sei que temos filhos, passei por essa fase. Uns largam toalha ou outro objeto jogado, mas a gente vai ensinando desde pequeno que cada coisa tem seu lugar.

Só que, se ela não tiver as coisas organizadas internamente, não tem como exigir do outro. Não vai ter moral para falar com o filho se está tudo desarrumado, nada na hora certa, cada um comendo com o prato na mão vendo televisão, não tem horário de almoço, de se sentar à mesa, de conversar sem smartphone ou tablet na mão. Isso faz parte da família.

É a mulher quem vai ditar essas regras. O homem é o cabeça da casa e a mulher é o pescoço. Se der torcicolo, a cabeça não gira. A casa anda de acordo com a mulher. Eu sempre digo aos maridos que invistam no bem-estar emocional da sua esposa, porque o resto, eles tiram de letra.

Como descobrir qual a vontade de Deus para a minha vida? Como Ele dá sinais?
Um casal, quando se casa, vai se ajustando com o tempo. Só de olhar um para o outro, já sabe o que está pensando. É uma intimidade que acontece com o tempo. As expressões de rosto já se comunicam.

Assim também é com Deus. A vontade dEle vai ser clara para mim quando existir intimidade com Ele. Eu preciso dessa caminhada dia a dia, dessa comunhão, para poder entender o que Ele tem para mim. Muitas vezes temos dificuldade para entender a manifestação da vontade dEle, então Deus usa outra pessoa que vem simplesmente confirmar.

Eu sempre peço ao Senhor que me dê discernimento e entendimento. Tenho um código com Ele que criei para conversar comigo e eu ter certeza que estou no caminho certo. É uma palavra-código para ter certeza que é Ele quem está falando comigo e não sou eu que estou inventando. É meio infantil, mas foi uma forma concreta que eu criei e que dá certo (risos).

As mulheres passam por fases da vida, as crises de meia-idade, da enfermidade e tantas outras definidas por psicólogos. Como passar por esses momentos sendo vencedoras das tendências às depressões?
Temos ciclo menstrual e TPM, que são coisas naturais e que muitas mulheres não sentem nada, mas têm outras que se alteram. Eu sempre digo para os maridos: se ela está na TPM, aguarde dois ou três dias e aí vocês conversam. Agora, existem mulheres que têm 30 dias de TPM, aí fica complicado, coitados dos maridos.

No caso da crise da meia-idade, chegamos ao ponto em que criamos os filhos, a casa começa a ficar vazia. No meu caso, fiquei sem os filhos, cada um morando em um lugar, e ainda o meu marido morreu. Aí você fica só mesmo.

Então, tem que descobrir o que fazer para ocupar seu tempo. Abomino esse negócio de ficar vendo novela e televisão. Tem que fazer alguma coisa para seu crescimento. Ler, participar de cursos, conversar, aconselhar, sair com amigos, estudar. Vejo mulheres que chegam aos 50 ou 60 anos e vão para a faculdade. Isso é um desafio. Conheci uma irmã que foi missionária nossa na Bolívia que fez Direito aos 65 anos, se formou com 70. Numa boa!

Ficar em casa te leva mesmo à depressão, e a melhor definição para isso é opressão sem expressão. Para tratamento, é bom procurar um terapeuta cristão.

Eu fiz terapia em 2012, porque tive um apagão e caí de madrugada sozinha dentro de casa. Fiz ressonância e, com o tratamento, descobri que meu marido morreu, e eu não o tinha enterrado. Fui tratada com uma profissional cristã, uma pessoa conhecida. E eu enterrei meu marido depois cinco anos.

Mais sobre Nancy Dusilek
Nancy Dusilek é escritora e tem vários livros voltados para mulheres e para liderança. Entre eles, “Liderança Cristã, a arte de crescer com as pessoas”, que foi traduzido para o espanhol, “Descobrindo e Capacitando Líderes”, “Mulher Sem Nome” e “O Grito das Incluídas”.

A matéria acima é uma republicação da Revista Comunhão. Fatos, comentários e opiniões contidos no texto se referem à época em que a matéria foi escrita.

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